quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Semana Euclidiana com nova data

A Prefeitura Municipal de São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, o Departamento de Esporte e Cultura e a Casa de Cultura Euclides da Cunha (veja aqui o site), recentemente divulgaram a nova data para a tradicional Semana Euclidiana, a 97ª, que este ano em especial será dedicada à memória dos 100 anos de desaparecimento do escritor. A série de evento culturais em torno de Euclides acontecerá de 04 a 10 de outubro de 2009.

O evento deveria ter acontecido no mês de agosto, mas teve que ser cancelado por medida preventiva conjunta das secretarias de Saúde e Educação do estado de São Paulo, em função da H1n1, a nova gripe; pois o período frio é propício para sua propagação, ainda mais em eventos que concentrem muitas pessoas.

Segundo boletim emitido por Lucia Helena Vito, diretora da Casa de Cultura Euclides da Cunha, os inscritos para a maratona intelectual, uma das atividades mais importantes no meio estudantil dentro da Semana Euclidiana, por contar até mesmo com prêmios, devem confirmar participação de 25 de agosto a 04 de setembro, pelo e mail: casa.euclidiana@bol.com.br

Os demais interessados em participar e o público em geral podem obter mais informações pelo site da casa. O Projeto 100 anos sem Euclides apóia a iniciativa e acolherá, em seu Seminário Internacional, entre os dias 25 e 27 de setembro, diversos integrantes da organização da Semana Euclidiana.

Globo Especial Euclides, confira:


O canal Globo News colocou recentemente, no seu site de vídeos, dois impressionantes programas sobre Euclides da Cunha, produzidos com uma qualidade informativa que só o jornalismo da Globo consegue atingir em termos de televisão. Quem quer conhecer mais um pouco sobre Euclides da Cunha e suas obras, ou quem já admira o escritor, deve parar para assistir a essa ode. Os vídeos têm uma edição impecável, contam com entrevistas feitas em locações especiais e primam por explicar, de uma maneira não linear, mas temática, as minúcias da vida de Euclides. Prepare uma cadeira confortável em frente ao seu PC e bom mergulho!

Vídeos GLOBO NEWS:


Parte 1, com cerca de 50 minutos


Parte 2, com cerca de 25 minutos

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Exposição na casa dos imortais

ABL inaugura exposição em homenagem ao centenário

Mostra "Euclides, Um Brasileiro" em homenagem ao centenário de morte do autor de "Os Sertões" ficará na casa até outubro

Em comemoração ao centenário de morte do Acadêmico e escritor Euclides da Cunha, a Academia Brasileira de Letras irá inaugurar no dia 27 de agosto, às 17h30, a exposição "Euclides da Cunha, um brasileiro", que ficará abrigada no Centro Cultura da ABL até o final de outubro.

A mostra contará com documentos que registram os dois anos e meio em que Euclides ocupou a Cadeira nº 7 da Academia, assim como constará da exibição de vídeos e de painéis iconográficos, de textos de Euclides da Cunha, ou sobre ele, correspondência (com Machado de Assis, Afonso Celso, Max Fleuiss, Gustavo Masson. José Verísssimo, entre outros), além de objetos pessoais, cartões postais manuscritos (quando de sua viagem de reconhecimento ao Purus e Alto Juruá), fotos e também espadas, facões, projéteis recolhidos em Canudos.

Na Academia, Euclides da Cunha foi o segundo ocupante da Cadeira 7, eleito em 21 de setembro de 1903, na sucessão de Valentim Magalhães e recebido em 18 de dezembro de 1906 por Sílvio Romero.

O Presidente da ABL, Cícero Sandroni, diz que "a exposição será mais um elemento com que a Academia procurará demonstrar como a excepcional compreensão de Euclides sobre as raízes nacionais mergulhou no cerne mesmo da visão do Brasil sobre si próprio, visão histórica, antropológica, sociológica e geográfica".


Fonte: http://www.academia.org.br/

Castro Alves e seu tempo

Conferência de Euclides em Universidade vira livro

Conferência Castro Alves e seu Tempo, proferida na Faculdade de Direito da USP, vai virar livro e ajudar na construção de busto


de USP Online

A Editora Lettera.doc e a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito (FD) da USP lançam livro sobre a conferência Castro Alves e seu Tempo, ministrada por Euclides da Cunha para os estudantes da FD em 1907. O lançamento acontece no dia 28 de setembro, às 19 horas, na FD (Largo de São Francisco, 95, Centro, São Paulo), mas as vendas antecipadas com desconto, que podem ser feitas pelo site do projeto, vão até dia 31 de agosto. Os valores são de R$50,00 para alunos da faculdade e R$42,00 para antigos alunos, com frete incluso e entrega prevista para depois do lançamento da obra.

A receita com a venda antecipada de exemplares e captada por meio de patrocínio ajudará a construir uma herma (espécie de busto) em homenagem a Castro Alves, o "poeta dos escravos", no Largo de São Francisco.

No ano de 1907, a diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, lançou uma campanha para a construção das hermas de três grandes poetas românticos brasileiros: Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela. Apenas a herma de Álvares de Azevedo foi construída no Largo de São Francisco. No mesmo ano, o grande escritor Euclides da Cunha, a convite dos estudantes de Direito de São Paulo, proferiu a conferência Castro Alves e seu tempo, visando arrecadar fundos para a construção da herma do poeta dos escravos. No entanto, apesar de realizada a conferência, com êxito e grande cobertura da imprensa da época, a herma não foi construída até hoje.

Agora, mais de cem anos depois, as duas hermas faltantes serão finalmente construídas. A conferência de Euclides da Cunha será transformada em livro, acrescida de textos sobre Castro Alves e Euclides da Cunha, poemas dos dois autores, cronologias e outras informações, em uma edição histórica, ricamente ilustrada com fotos e documentos.

A compra antecipada dos livros pode ser feita pelo site da iniciativa ou na Associação dos Antigos Alunos da FD (Rua Riachuelo, 185, 4º Andar, Centro, São Paulo).

Mais informações: (11) 3101-8489, email a.alunosarcadas@uol.com.br.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Observatório de Euclides

Programa da TV Brasil tem especial sobre Euclides

Observatório da imprensa teve o escritor em foco, com a presença da professora Walnice Nogueira Galvão

Os vídeos na íntegra do programa podem ser vistos aqui.

Em 15 de agosto de 1909, uma notícia comoveu a opinião pública. Em uma troca de tiros com o amante de sua esposa, morria Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, considerado por especialistas como o grande épico da literatura brasileira. O crime ocupou as manchetes dos jornais durante semanas e ainda hoje é lembrado como "A tragédia da Piedade", bairro carioca onde ocorreu. O Observatório da Imprensa de terça-feira (11/08), excepcionalmente gravado, homenageou o intelectual que eternizou a Guerra de Canudos, um momento crucial para a imprensa brasileira. Como correspondente de O Estado de S.Paulo, Euclides cobriu a primeira guerra moderna no Brasil, que contou com inovações como o telégrafo, o trem e o jornal.

O jornalista Alberto Dines entrevistou a professora doutora Walnice Nogueira Galvão, autora de 11 livros sobre o escritor; o jornalista e escritor Roberto Pompeu de Toledo, autor de artigos sobre Canudos; o jornalista Daniel Piza, de O Estado de S.Paulo, que refez a viagem realizada pelo escritor pelo Rio Purus, na Amazônia, para demarcar as fronteiras entre Brasil e Peru e o euclidianista José Márcio Lauria. "O centenário da morte de Euclides da Cunha traz de volta o massacre de Canudos, descrito magistralmente em Os Sertões, livro que começa como uma série de despachos para O Estado de S. Paulo e torna-se um clássico – primeira visão do Brasil profundo. Um ‘novo jornalismo’ que combina reportagem de campo e ciência", disse Dines no editorial que abre o programa.

Um homem obstinado

Republicano convicto, Euclides da Cunha protagonizou em 1888 uma polêmica que marcou a sua trajetória. Aluno da Escola Militar, no Rio de Janeiro, onde estudava Engenharia, o jovem cadete defendia o direito de os militares exprimirem suas opiniões políticas. Impedidos de comparecer a um evento republicano, os alunos combinam um protesto para o momento da revista da tropa. Ao sinal, todos deveriam partir seu sabre-baioneta nos joelhos. Mas somente Euclides cumpriu o prometido. Após tentar em vão quebrar a arma, o cadete a atira no chão, aos pés do ministro da Guerra.

Para evitar que o cadete fosse transformado em mártir pelo movimento republicano, Euclides foi poupado do enforcamento previsto no Código Militar para casos graves de insubordinação. Mas, em seguida, foi desligado do Exército sob o pretexto de "incapacidade física". O assunto repercutiu na imprensa e no parlamento, foi tema de colunas em diversos jornais, e rendeu ao jovem um convite para escrever em A Província de S.Paulo, jornal que defendia a mudança de regime de governo. Tem início a amizade entre Euclides da Cunha e o diretor do jornal, Júlio Mesquita, que durou décadas.

Seus artigos – inicialmente publicados sob pseudônimo - pediam uma revolução política. Após a Proclamação da República, com apoio do ex-professor Benjamin Constant, então ministro da Guerra, Euclides foi reincorporado ao Exército. Formou-se Engenheiro Militar em 1892, mas quatro anos depois, pediu reforma. "Ele começa a fazer muitas críticas ao que se passa no panorama da República. Inclusive quanto à corrupção que existe muito no início do novo regime. E, principalmente, quanto à perda dos ideais republicanos. Você começa a perceber nas cartas o início de uma decisão, que vai demorar um pouco, de sair do Exército, por causa disso. Por causa da desilusão com a República", explicou Walnice Galvão.

A guerra eternizada

Em 1896, logo após a Proclamação da República, explodiu no sertão da Bahia a Guerra de Canudos. Comandados pelo líder religioso Antônio Conselheiro, beatos, jagunços e ex-escravos organizaram um movimento messiânico que rejeitava as mudanças que o novo regime provocara nos poderes da Igreja. Taxado de "restaurador do trono", foi severamente criticado. "Euclides começa a se interessar por Canudos em um artigo que escreve para O Estado de S.Paulo chamado ‘A nossa Vendéa’", explicou Roberto Pompeu de Toledo. O texto comparava o conflito com a Revolução Francesa e afirmava que os "revolucionários" eram contra o regime republicano. "Ele está contaminado por aquele pensamento da elite brasileira de que ali havia uma trincheira de malfeitores que estavam conspirando contra o regime", disse.

A pedido de Euclides, Júlio Mesquita solicitou ao ministro da Guerra que o escritor participasse da comitiva como adido militar, um privilégio que os demais correspondentes não desfrutavam. O escritor chegou à Bahia pouco antes do final do conflito, mas ainda a tempo de presenciar as últimas batalhas. Ao todo, O Estado de S.Paulo publicou 34 artigos e 57 despachos telegráficos sobre o conflito. Na sede do arquivo do jornal, Dines leu um trecho do primeiro telegrama enviado pelo correspondente: "‘Afirmam as testemunhas um fato que eu já previra. Quatro ou seis jagunços faziam estacar, perturbado, um batalhão inteiro’".

A Guerra de Canudos é um episódio crucial na imprensa brasileira. "É o primeiro momento em que os jornais mandam enviados especiais para cobrir um evento que está galvanizando a população. Não é à toa, isso é proporcionado por um avanço tecnológico que é o telégrafo. O telégrafo chega até Monte Santo e possibilita que os correspondentes mandem as suas matérias para os seus órgãos. Mas até então é uma meia dúzia, talvez um pouco mais, de enviados dos jornais, naturalmente fazendo uma cobertura parecida com aquilo que nos EUA se chama de embeded, incorporados ao Exército. Muitos deles até faziam parte, tinha essa duplicidade", explicou Roberto Pompeu de Toledo.

Toda a cobertura era censurada. O Exército, que instalara o telégrafo, revisava as reportagens antes de enviar aos órgãos de comunicação. O correspondente do Jornal do Commercio, Manuel Benício, foi afastado da função por ser "incômodo", conforme explicou Roberto Pompeu de Toledo. "Era uma cobertura melhor, mais viva, mais corajosa que a de Euclides", avaliou. "É muito diferente o Euclides jornalista. Até dá a impressão de que ele estava escondendo a bala, o estoque, a munição dele para o livro. Realmente o livro é uma coisa esplendorosa, é um grande momento da literatura brasileira".

Jornalista ou escritor?


Dines questionou se Euclides da Cunha era "um jornalista ou um escritor que escrevia em jornal". Walnice Galvão explicou que no início do século 20 era comum que intelectuais e profissionais de diversas áreas – como Direito e Medicina – escrevessem artigos em jornais. Estas colaborações tornavam o nível das publicações "altíssimo". Roberto Pompeu de Toledo acrescentou que o conceito de jornalista era diferente do adotado atualmente.

"Não existia um profissional tal qual nós o entendemos hoje. Euclides era muita coisa. Era engenheiro, era militar, geólogo amador, sociólogo amador, ele era tudo. E, evidentemente, colaborou muito com a imprensa. Aliás, não só colaborou, ele trabalhou. Ele era redator de O Estado de S.Paulo numa certa fase da vida dele, às vésperas de ser enviado para Canudos. Então, houve períodos em que ele parecia um pouco esse jornalista profissional que nós somos hoje. Agora, eu não diria que a produção dele é uma produção jornalística, especialmente quando estamos falando de Os Sertões", disse Roberto Pompeu de Toledo.

Daniel Piza avaliou que Euclides da Cunha mescla jornalismo e literatura na cobertura da Guerra. "A gente vê claramente que ele é um escritor, um homem de letras indo a um local para testemunhar um fato. Ao mesmo tempo ele é um repórter na essência porque ele chega como alguém que tem que fazer despachos para um jornal, tem que apurar as informações. E faz esse trabalho muito bem a tal ponto que ele chega a Canudos com uma carga de preconceitos e de visões pré-estabelecidas e vai abrindo mão daquilo porque os fatos o obrigam. Então, nesse aspecto, ele é sim um pioneiro do jornalismo moderno e acho que tem essa coisa de ser ‘o novo jornalista’ porque o estilo dele não é só o estilo que traz informações, mas que também te faz se sentir no ambiente com recursos literários."

De vilões a heróis

Ao retornar de Canudos, o escritor tem uma outra visão do conflito. Walnice Galvão explicou que Euclides da Cunha cultiva uma atitude dúbia em relação ao Conselheiro em Os Sertões. "Ele diz, às vezes, que era um homem genial e, outras vezes, que é um bufão, um louco falando sozinho. Ele tem as duas coisas misturadas", contou. "Mas ele foi ganho pela admiração que teve pelos canudenses. Ele foi pra lá e viu que eles lutavam até a morte pela suas convicções, pelos seus princípios. Ele ficou muito mal. Ele sai dois dias antes do fim da guerra e fica ruminando aquele livro. Fica cinco anos escrevendo, estudando, porque aquele livro precisa de muito estudo pra ser escrito. Ele já escreve com a convicção de que está escrevendo o ‘livro vingador’, que é como ele chama o livro em diversas ocasiões. E foi uma reviravolta muito penosa", avaliou.

O Observatório foi a São José do Rio Pardo, cidade paulista na qual Euclides da Cunha escreveu parte de Os Sertões e onde hoje descansam seus restos mortais. Engenheiro de Obras Públicas de São Paulo, Euclides foi designado para reconstruir uma ponte metálica destruída em uma enchente. "Quando ele chegou, já havia boa parte - especialmente de ‘A Terra’ - em estado de publicação. Ele retocou, editou, a parte de ‘O Homem’ e ‘A Luta’. O essencial da presença de Euclides da Cunha em São José do Rio Pardo foi ter dado a fórmula definitiva ao Os Sertões", explicou Márcio Lauria. Dines mostrou aos telespectadores a cabana de zinco e sarrafos à beira do rio que servia de escritório durante o período.

"É um livro da perplexidade do encontro de um Brasil com um outro Brasil. De um Brasil que o Euclides chama de ‘o Brasil do litoral’, que encontrou o ‘Brasil do sertão’. Um encontro de um Brasil urbano, conectado com o mundo, com um Brasil que ficou pra trás, atrasado. E esse choque é exposto como pano de fundo a uma guerra muito simbólica, muito emblemática, e muito rica em detalhes, nas suas evoluções, nos seus episódios", disse Roberto Pompeu de Toledo.

Após o sertão, a selva

Em 1904 Euclides da Cunha se candidatou para uma nova aventura. Por interferência do Barão do Rio Branco foi escolhido para chefiar a comissão de demarcação das fronteiras entre Brasil e Peru. Uma viagem de cerca de um ano na floresta amazônica. "Euclides tinha o espírito muito extremista, isso é muito simpático nele, ele era muito aventuresco, ele não se acomodava em nada, ele queria outra aventura. Não contente em ter ido à Guerra de Canudos, que não era pouco, não contente em já ser um homem importantíssimo - membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, autor conhecido no Brasil inteiro – ele cismou que queria ir pra Comissão de Reconhecimento do Alto Purus", relembrou Walnice Nogueira.

Daniel Piza explicou que durante a longa e atribulada viagem pela Amazônia, Euclides viu o conflito entre o homem e a natureza. "Assim como os sertanejos, que ele diz que eram ‘fortes’ para resistir ao meio hostil, ele viu mesmo com os seringueiros, com os caboclos daquela região do Acre que eram ‘fortes’ também porque eram nômades e tinham que se acostumar a uma natureza bastante adversa. Em uma tão importante frase quanto ‘o sertanejo é antes de tudo um forte’, ele definiu da seguinte forma: ‘o seringueiro trabalha para escravizar-se. Então, ele captou que era um regime de trabalho muito perto da escravidão e disse que só teria jeito a Amazônia se você começasse mudando as relações trabalhistas’", contou.

A tragédia pessoal que abalou o país

Ao retornar da expedição, Euclides encontra sua mulher, D. Saninha, grávida. Há alguns meses, ela mantinha uma relação extraconjugal com o jovem cadete Dilermando de Assis. "O casamento era um desastre. Há inúmeras testemunhas e todo mundo sabia que aquele casamento não tinha dado certo, era da mais absoluta incompatibilidade", contou Walnice Galvão.

"D. Saninha jurava que ia romper com o Dilermando e que aquilo não iria adiante, mas ela não conseguia. Era uma paixão, realmente, de parte a parte. Até que então, um dia, não se sabe direito a circunstância, mas sabe-se que ela pegou os filhos, menos o mais velho, que já estava na Escola Militar, e foi embora. Fugiu de casa e foi para casa do Dilermando, no bairro da Piedade", relembrou.

No chuvoso domingo no qual ocorreu a tragédia, Euclides invadiu a casa de Dilermando com revólver em punho. Assim que o cadete surgiu na sala, atirou contra ele, mas o Dilermando era campeão de tiro. Apesar de atingido, reagiu e matou o escritor com dois disparos. A notícia correu a cidade e estampou as manchetes dos jornais. Enquanto a imprensa paulista mantinha discrição, a carioca explorava o crime. "No Rio, os jornais se divertiram com o que houve", disse Walnice.

Dois anos depois, o cadete foi julgado e absolvido por legítima defesa. "O Brasil inteiro queria que ele fosse guilhotinado, mas não conseguiram. Eu publiquei os Autos do processo, não tinha jeito de dizer que não era legítima defesa porque era. Alguém invade a sua casa dando tiro, você se defende. Houve apelação para o Supremo e ele ganhou outra vez", disse a professora. Imediatamente após sair da cadeia, casa-se com D. Saninha.

Um século depois, a história sem ponto final


"De vez em quando, alguém ressuscitava a história. Faziam entrevista com o Dilermando e ele falava mais do que devia porque tinha muita culpa em cima dele. Há uma frase, que é de um dos jornalistas da época, não se sabe se o jornalista inventou ou se foi o Dilermando que disse: ‘eu cometi o crime de matar um Deus’. Passou o resto da vida execrado, apesar de ter sido absolvido duas vezes", enfatizou Walnice Galvão.

Sete anos após o crime, uma nova tragédia abalou a família. O filho preferido de Euclides, estimulado pela família a buscar vingança pela morte do pai, morre em uma troca de tiros com Dilermando de Assis. "Uma família destroçada pela sucessão de assassinatos e vinganças onde não há vilões e todos são vítimas. Mas a força de suas palavras foi maior. O escritor ficou eternizado como um dos maiores nomes da cultura nacional. E sua grande obra, Os Sertões, gerou um formidável acervo: dezenas de reportagens, livros, trabalhos acadêmicos, curtas e longas-metragens e até uma mini-série de tv. Esta é uma história cujo desfecho ainda não foi escrito", disse Dines.

Matéria extraída e adaptada deste link para o portal IG

O Observatório da imprensa pode ser assistido todas as terças, às 22h40, na TV Brasil (antiga TVE). (veja a lista de canais)

Exposição em Salvador

Bahia lembra os 100 anos da morte de Euclides da Cunha

Capital do estado onde ocorreu a guerra de Canudos, Salvador terá exposição em homenagem ao escritor e lançamento de livros baseados em sua vida e obra

Por Cassia Candra*

As homenagens pelo centenário de morte de Euclides da Cunha, que estimulam a realização de vários eventos em todo o País, com debates, lançamentos de livros, ciclos de palestras e montagens de exposições, começam neste sábado, 15, em Salvador, com a abertura da mostra Os Sertões de Euclides da Cunha, com 20 fotos coloridas de Antenor Júnior, montadas a sede do Centro de Estudos Euclydes da Cunha, no Centro Histórico.

O fotógrafo, pesquisador da obra de Euclides e da Guerra de Canudos, foco do relato de Os sertões, sua obra-prima, apresenta imagens contemporâneas dos cenários vistados pelo então correspondente de guerra do jornal O Estado de S. Paulo, em 1897. A mostra pode ser visitada até 15 de setembro, de segunda à sexta-feira, das 8h às 11 e das 14, às 17h.

Na capital baiana, a programação em homenagem a Euclides da Cunha será marcada ainda pelo lançamento de dois livros: O pêndulo de Euclides (Bertrand Brasil), romance de Aleilton Fonseca, e o ensaio bibliográfico Euclides da Cunha e a Bahia (Ponto e Vírgula), de Oleone Coelho Fontes.

O romance de Aleilton, que é professor do departamento de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana, fixa sua narrativa no universo da Guerra de Canudos e da obra-prima de Euclides da Cunha, Os sertões. O lançamento em Salvador será durante um seminário sobre a obra euclidiana, na Academia de Letras da Bahia, dias 30 e 31 de outubro, mas antes o livro será lançado em dois eventos, em São Paulo (no fim deste mês) e no rio de Janeiro (início de setembro).

Reprodução
Euclides da Cunha, testemunha da Guerra de Canudos
Euclides da Cunha, testemunha da Guerra de Canudos

Já o ensaio do escritor Oleone Fontes aborda as andanças de Euclides em Salvador, em agosto de 1897, quando ficou hospedado 24 dias na casa de um tio, na Rua da Mangueira, antes de partir para o front da Guerra de Canudos como correspondente do Estadão.

Brasil – Uma das homenagens mais expressivas está sendo realizada pela Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual Euclides foi membro a partir de 1903 e onde foi velado, em 1909, que organizou uma programação de vasto conteúdo. Aberta na última terça-feira, com conferência da professora Walnice Galvão, analisando Os Desafios de Editar Euclides da Cunha, a programação que se estenderá até novembro, reunirá 21 especialistas na obra euclidiana, como Affonso Arinos, Moacyr Scliar e José Murilo de Carvalho.

O objetivo do ciclo de palestras em homenagem ao centenário da morte do escritor fluminense é “trazer à atualidade o gênio de Euclides, mostrando como sua excepcional capacidade analítica mergulhou no cerne mesmo da visão do Brasil sobre si próprio, visão histórica, antropológica, sociológica e geográfica”, afirma o presidente da ABL, Cícero Sandroni, um dos conferencistas.

Evento: Exposição 'Os Sertões de Euclides da Cunha'
Dia/Hora: visitação de segunda a sexta, das 8h às 11h e das 14h às 17h
Perído: De 15 de agosto até 15 de setembro
Local: Centro de Estudos Euclydes da Cunha - Largo do Carmo, 4, Centro Histórico -Salvador, Bahia.
Acesso: Entrada franca


*in: JORNAL A TARDE

Euclides da Cunha e o Direito 2

O calidoscópio jurídico de Euclides da Cunha (2)

Ver autoresPor Cássio Schubsky

Coluna Cassio Schubsky - SpaccaVimos, no artigo anterior, que Euclides teve formação jurídica na Escola Militar da Praia Vermelha (vale acrescentar: depois, aprendeu Direito Administrativo na Escola Superior de Guerra, onde concluiu o curso de Estado Maior e Engenharia); que seus artigos traziam noções legais; que sua poesia era atravessada pelo jargão do Direito; e que o escritor era portador de um aguçado senso de Justiça, notadamente quando reviu sua posição a respeito da Guerra de Canudos, passando a classificar como crime a chacina perpetrada pelo Exército brasileiro contra os sertanejos rebelados.

Nada disso, porém, transforma o autor de A margem da história em jurista. Da mesma forma, Machado de Assis não foi guindado à posição de “doutor” apenas pela presença de personagens jurídicos em seus contos e romances ou porquê se utilizava da linguagem jurídica em suas criações literárias, inclusive na poesia. De outro lado, seria forçar a barra atribuir a Machado a função de diplomata só porque emitia opiniões sobre política internacional. Como seria demasia chamar de jogador de futebol ou piloto de Fórmula-1 o comentarista esportivo, ou de deputado o cronista político.

À margem da História - www.culturabrasil.pro.brEvidentemente, Euclides da Cunha não era jurista porque escrevia crônicas no jornal O Estado de S. Paulo sobre temas jurídicos, como no caso do texto publicado em 29 de março de 1892 “a propósito da brutalidade de um iconoclasta qualquer que, num ímpeto de revolta inconsciente, quebrou a imagem do Cristo no júri da Capital Federal” (tema redivivo, aliás, este da presença de ícones religiosos em repartições públicas...).

Machado de Assis, vale insistir no assunto, era jurista de fato porque atuou como advogado público (mesmo sem essa designação), elaborando anteprojetos de lei e redigindo pareceres jurídicos, como servidor*.

Pois bem. O fato é que Euclides era “doutor”, porque também foi advogado público de fato. Uma faceta que permanece praticamente (ou mesmo totalmente) inédita na biografia do engenheiro, historiador, geógrafo e portador de tantos outros títulos e habilidades, além, claro, de escritor estupendo.

Euclides da Cunha - chapéu - www.culturabrasil.pro.brEuclides jurista
Durante seus últimos anos de vida, Euclides da Cunha foi contratado pelo Barão do Rio Branco para assessorá-lo em atividades do Itamaraty.

Assim, em 1904-1905, o já consagrado autor de Os sertões partiu para uma expedição de reconhecimento do Alto Purus, participando de uma arriscadíssima empreitada conjunta Brasil-Peru para descrever e analisar os caracteres geográficos daquele rio amazônico. A viagem gerou o “Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus – notas complementares do comissário brasileiro”, escrito por Euclides e publicado pela Imprensa Nacional, em 1906. Viajando em embarcações precárias, que encalhavam diversas vezes; encarando a falta de víveres; enfim, enfrentando condições adversas, o escritor produz um extenso texto, que ficou conhecido como O rio Purus, misto de aventura e ciência, geologia, geografia e história, relatório detalhado sobre parte das hidrovias amazônicas. Não foi ainda aí que Euclides mostraria seus dotes de jurista, o que ocorreria logo em seguida.

Também trabalhando para o Ministério das Relações Exteriores, o engenheiro elabora um riquíssimo trabalho sobre o conflito de fronteiras envolvendo o Peru e a Bolívia. O interesse brasileiro no caso pautava-se pela relação da refrega com o território do Acre, recém-adquirido da Bolívia (em 1903). Publicado pela primeira vez em 1907, no Jornal do Commercio, o relatório, denominado Peru versus Bolívia, é, essencialmente, um parecer jurídico.

Euclides da Cunha - militar 2 - www.culturabrasil.pro.brÉ neste trabalho que Euclides, a serviço do Itamaraty, revela sua vocação de advogado público arguto – embora o cargo que ocupava não tivesse essa acepção, como o conhecemos hoje. Bebendo em fontes históricas documentais, demonstrando vasto conhecimento geográfico e destrinchando complexos tratados internacionais e outros documentos legais, opina, com fundada argumentação jurídica, pelo ganho de causa pela Bolívia, na querela arbitrada pela Argentina (na foto, tirada durante viagem à Amazônia, Euclides aparece no centro da fila de trás) .

Algumas passagens do extenso relatório – melhor chamá-lo por seu verdadeiro nome... –, do extenso parecer jurídico, revelam doutor Euclides em plena forma. Vamos a elas:

“(...) o interesse que [o caso] desperta é [sobre] a legitimidade da sua discussão, ao menos durante a litispendência, antes da sentença do juiz soberano e inapelável. Além disto, a este mesmo árbitro não lhe bastará a massa formidável de documentos cartográficos e históricos fornecidos pelos Governos interessados, apequenando-se na tarefa medíocre e exaustiva de contrastar um sem-número de linhas embaralhadas, e datas no geral inexpressivas; ou derivando ao pecaminoso anacronismo de agitar – inteiriços, embaralhados e rígidos – alguns velhos documentos coloniais, diante das exigências mui outras e das fórmulas mais liberais do direito atual entre as nações”.

Quem lida hoje com o direito internacional ou com o direito imobiliário sabe da complexidade das questões geográficas e históricas muitas vezes envolvidas na solução de litígios de terras e fronteiras. Ao juiz, pois, como alerta o nosso percuciente parecerista, no caso em tela, cabe distinguir o direito no emaranhado de mapas e relatórios, tratados e documentos os mais diversos.

É assim que Euclides da Cunha vai construindo seu parecer: interpretando tratados internacionais e normas unilaterais baixadas ora pelo Império espanhol, ora por suas colônias sulamericanas. Tudo embasado em uma articulação multidisciplinar, envolvendo conhecimentos geográficos, históricos e jurídicos. Eis, aliás, um traço distintivo do nosso Euclides: rejeitava uma visão estanque do saber, compartimentado em disciplinas isoladas. Ao contrário, esmerava-se em obter uma compreensão global de seus objetos de estudo e criação artística (também aí, mesclando arte e ciência).

Estudando, amiúde, cartas régias e outras normas coloniais do mesmo jaez, Euclides da Cunha vai, passo a passo, desmontando – preclaro jurista! – a pretensão peruana sobre a área em litígio. Cito um exemplo, entre outros inúmeros:

“Esta carta régia, agitada, imprudentemente, como a prova capital dos direitos do Peru, contraproduz. É desastrosa para a República, que se proclama herdeira do regime condenado e extinto. É a prova preexcelente dos direitos da Bolívia”.

Ou, então:

“A posse peruana nas cabeceiras do Juruá e do Purus, nula, de direito, antes de 1810, não se realizou, de fato, nos anos subsequentes até os Tratados de 1851 e 1867.

Ao final do longo parecer jurídico, conclui:

“Não combatemos as pretensões. Denunciamos um erro.
Não defendemos os direitos da Bolívia.
Defendemos o Direito”.

Pena que a morte precoce de Euclides, com apenas 43 anos de idade, tenha privado seus leitores de outros muitos pareceres jurídicos que poderia ter produzido para a posteridade – sobre a qual, aliás, com jargão jurídico, escreveu: “A posteridade, o supremo júri das gentes, procede em seu julgamento de uma maneira sumária” (O Estado de São Paulo, em 2 de abril de 1892).

O supremo júri das gentes precisa decidir de maneira sumária que Euclides da Cunha é um jurista de mão cheia!


* A esse respeito, recomendo as leituras de Machado de Assis e a Administração Pública Federal, de Paulo Guedes e Elizabeth Hazin, Edições do Senado Federal, volume 68, Brasília, 2006, e também de Doutor Machado – o direito na vida e na obra de Machado de Assis, de Cássio Schubsky e Miguel Matos, Editora Lettera.doc e Migalhas, São Paulo, 2008.


Adquira antecipadamente seu exemplar da edição histórica da conferência “Castro Alves e seu tempo”, de Euclides da Cunha, e ajude a construir a herma do poeta dos escravos no Largo de São Francisco. Acesse www.hermasdospoetas.com.br.

Cássio Schubsky é editor, historiador e diretor da Editora Lettera.doc

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Nova edição de "Castro alves e seu tempo"

Está para ser lançada pela Lettera.doc uma nova edição da conferência Castro Alves e seu tempo. A nota biográfica é de autoria do pesquisador Felipe Rissato.

Compre o livro e faça a herma
Compra antecipada de exemplares da edição histórica do livro "Castro Alves e seu tempo", de Euclides da Cunha, garante a inclusão do nome do comprador na lista de apoiadores a ser publicada na própria obra. Recursos ajudarão na construção da estátua de Castro Alves. Lançamento do livro já está marcado: dia 28 de setembro, às19h, na Faculdade de Direito da USP. Clique www.hermasdospoetas.com.br ou entre em contato com a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP para adquirir seu exemplar. Envie mensagem para a.alunosarcadas@uol.com.br
ou entre em contato pelo telefone (11) 3101-8489.

O exemplar custa R$ 50,00 para o público em geral e R$ 42,00 para alunos e antigos alunos da Faculdade de Direito da USP. A venda antecipada de exemplares vai até 31 de agosto de 2009. Compre o seu agora mesmo!

Em 1907, a diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito daUSP, lançou uma campanha para a construção das hermas (estátuas com a cabeça emetade do tronco, uma espécie de busto um pouco maior) de três grandes poetasromânticos brasileiros: Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela. Apenas a herma de Álvares de Azevedo foi construída e atualmente está localizada no Largo deSão Francisco, em São Paulo. No mesmo ano de 1907, o grande escritor Euclides da Cunha, a convite dos estudantes de Direito de São Paulo, proferiu a conferência "Castro Alves e seu tempo", visando arrecadar fundos para a construção da herma do poeta dos escravos. Mas, apesar de realizada a conferência, com êxito e grande cobertura da imprensa da época, a herma não foi construída até hoje... Agora, mais de cem anos depois, as duas hermas faltantes serão finalmente construídas! Mediante parceria entre a Editora Lettera.doc e a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP, a conferência "Castro Alves e seuTempo", de Euclides da Cunha, será transformada em livro, acrescida de textos sobre Castro Alves e Euclides da Cunha, poemas dos dois autores, cronologia, fotos, documentos e muito mais. A receita com a venda de exemplares e patrocínios ajudará a construir a herma de Castro Alves, que será instalada no Largo de São Francisco.Você pode participar dessa iniciativa, adquirindo, antecipadamente, exemplares do livro "Castro Alves e seu tempo", de Euclides da Cunha. Além de adquirir a obra, você terá seu nome inscrito entre os apoiadores deste projeto, em lista a ser publicada no próprio livro. Adquira seus exemplares antecipadamente agora mesmo. Junte seu nome a centenas de pessoas que já estão participando dessa iniciativa. Para tanto, clique
http://www.hermasdospoetas.com.br/ ou entre em contato com a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP.

a.alunosarcadas.com.br ou (11) 3101-8489

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Euclides para crianças

O escritor que não esqueceu os tempos de menino

Há 100 anos, o Brasil perdeu Euclides da Cunha. De origem humilde, autor se importava com as pessoas mais carentes

Por Júlia Faria*

Um escritor preocupado com as pessoas mais carentes. Alguém que denunciou injustiças que ocorreram em uma guerra no interior do Brasil. Assim era Euclides da Cunha. Em 2009, faz 100 anos que ele morreu. Mas quem disse que foi esquecido? Seu livro Os sertões é um dos mais importantes da literatura brasileira e talvez você o leia um dia. Então, que tal saber mais sobre o seu autor?

Infância difícil

Euclides da Cunha nasceu em 1866, na cidade de Cantagalo, no Rio de Janeiro. Filho de agricultores, fazia parte de uma família humilde. Aos três anos de idade, ficou órfão de mãe e, por isso, morou na casa de parentes, em várias cidades, na infância. A falta de dinheiro levou seu pai a deixá-lo, junto com a irmã, na companhia dos tios. A origem simples de Euclides fez com que ele se tornasse solidário com quem tinha poucos recursos para viver. “O escritor queria mostrar aos homens de seu tempo que há pessoas carentes e que elas precisam de auxílio”, explica Anabelle Loivos, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Um jovem interessado por política


Aos 20 anos, Euclides da Cunha foi estudar na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Lá, em um desfile em homenagem ao ministro da guerra da época, jogou uma pequena espada aos pés da autoridade. O jovem queria protestar contra o fato de o Brasil ainda ser governado por um imperador. Para ele, já era hora de o país se tornar uma República, o que daria ao povo o poder de escolher seus governantes. Por seu ato, Euclides teve que sair da Escola Militar. Porém, em 1889, a República foi proclamada e ele foi para a Escola Superior de Guerra. Lá, tornou-se tenente do Exército e engenheiro militar. Poucos anos depois, passou a trabalhar como funcionário público em um departamento de obras em São Paulo. Enquanto tudo isso ocorria, Euclides da Cunha também escrevia textos para jornais em que defendia a democracia: a forma de governo em que o poder está nas mãos do povo. A convite de um jornal, também foi parar em uma guerra que ocorreu no interior do Brasil, uma experiência que viraria livro.

*de Ciência Hoje das Crianças

Vídeo da UFF sobre Euclides

Panorama da obra de Euclides em entrevistas

Na semana em que se completaram 100 anos de morte de Euclides da Cunha, o Núcleo de Comunicação Social (Nucs) da Universidade Federal Fluminense, publicou um vídeo em memória do Escritor. Em pouco mais de oito minutos, o material apresenta trechos de entrevistas a especialistas como Paulo Roberto Pereira, professor de literatura da UFF e responsável pela nova edição de uma obra completa do escritor, pela Editora Nova Aguilar; Anabelle Loivos, coordenadora do 'Projeto 100 anos sem Euclides'; Luis Felipe Ribeiro, professor de literatura da UFF; e Carlos Roberto da Cunha, bisneto de Euclides, entre outras.

Com a intenção de apresentar um panorama da obra de Euclides, o vídeo destaca a importância do escritor para a literatura e sobretudo para a inteligência nacional. Confira o material no link abaixo, é preciso ter o flash player instalado no seu navegador:

Vídeo NUCS UFF

O Núcleo de Comunicação Social da UFF é funcionalmente ligado ao Gabinete do Reitor, atende a setores de toda a universidade que solicitam divulgação de suas atividades, interna e externamente, produção de material gráfico de apoio a eventos e campanhas institucionais, além de preparação e apresentação de solenidades.

Publicações no ano do centenário

Relançamentos e novas publicações marcam as comemorações dos '100 anos'

Volume ilustrado sobre a campanha de Canudos e poesia reunida estão na lista

Por Ubiratan Brasil*

O centenário da morte de Euclides da Cunha incentivou o mercado editorial a lançar títulos ou embalar antigas edições com uma nova roupagem. O clássico Os Sertões, por exemplo, ganha uma versão ilustrada e com introdução da professora Walnice Nogueira Galvão, pela Ediouro (544 páginas, R$ 59,90). O livro traz uma seleção de desenhos de Aldemir Martins (edição de 1968), de Alfredo Aquino (1975) e de J.B. Andersen (edição em língua alemã). Traz, também, reproduções de pinturas de Debret, Benedito Calixto e Vítor Meirelles, entre outros artistas, além de uma série de fotos da guerra de Canudos e de personagens ligados ao autor e ao conflito.

Já a conhecida edição Obras Completas, lançada originalmente em 1966 pela Nova Aguilar, ganha mais um punhado de páginas na edição organizada agora por Paulo Roberto Pereira. "Atualizei a fortuna crítica, reorganizei a edição por ciclos, acrescentei mais cartas (eram 191, agora são 419) e também mais poemas, que totalizam agora 52", conta Pereira, cujo trabalho será lançado no início de setembro.

A poesia, aliás, inspira Euclides da Cunha: Poesia Reunida, volume organizado por Francisco Foot Hardman e Leopoldo Bernucci e que deverá ser publicado pela Editora Unesp até o início de outubro. O livro, resultado de um trabalho iniciado em 1999, terá projeto gráfico de João Baptista Aguiar e vai trazer tanto poemas inéditos quanto dispersos - destaque para o caderno manuscrito Ondas (1883-84), que nunca foi editado integralmente; e para a poesia postal, da qual existem 12 exemplares remanescentes.

Já a Editora Lettera.Doc e a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP lançam, no dia 28 de setembro, Castro Alves e Seu Tempo, sobre a conferência proferida por Euclides em 1907 aos estudantes do Largo de São Francisco, em São Paulo, e publicada nas páginas do Estado. A receita com a venda ajudará a construir uma estátua do poeta, a ser instalada em frente da Faculdade.

Também em setembro deverá ser lançado o estudo Euclides da Cunha e a Bahia (Editora Ponto e Vírgula), do historiador e escritor baiano Oleone Coelho Fontes, que mostra as relações pessoais construídas por Euclides na Bahia. E, ainda neste ano, o editor executivo e colunista do Estado Daniel Piza lança Amazônia de Euclides - Viagem de Volta a Um Paraíso Perdido, relato da expedição que fez em março ao Alto Purus, reeditando o trajeto feito por Euclides. O livro será ilustrado com fotos de Tiago Queiroz, que acompanhou Piza na reportagem.

de O Estado de São Paulo

Palestra na UFRJ

Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ recebe a palestra: Um século sem Euclides

Mesa composta por respeitáveis estudiosos das temáticas euclidianas brindou público com uma palestra que trouxe Euclides à atualidade



No salão dourado da UFRJ, na Praia Vermelha, no município do Rio de Janeiro, o tradicional Fórum de Ciência e Cultura abriu suas portas para Euclides da Cunha. O belo salão tem uma programação ampla com diversos eventos culturais, e, na sexta-feira, dia 14 de agosto, recebeu a abertura de uma série de debates intitulada "Centenário da Morte de Euclides de Cunha". Na mesa para a palestra 'Um século sem Euclides', às 10 horas, se encontraram o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, Joel Rufino dos Santos, ex-professor de Literatura da UFRJ; Vera Malaguti Batista, secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia; e José Celso Martinez Corrêa, dramaturgo responsável pela montagem da peça teatral “Os Sertões”.

Em mais um evento agradável e qualificado do fórum, a mesa da palestra foi aberta pelo magnífico reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, que proferiu um discurso acerca dos atributos intelectuais dos grandes nomes da história do Brasil, dando grande destaque aos expoentes da literatura brasileira. Seu discurso culminou no engrandecimento da obra de Euclides da Cunha, com referências à influência marxista recebida pelo escritor. Os cerca de 50 ouvintes da platéia mostraram bastante interesse às palavras dos quatro palestrantes, que desfilaram grande conhecimento do assunto e apresentaram-se muito simpáticos.

A criminóloga Vera Malaguti traçou comparações entre a obra euclidiana e a realidade próxima, vivida pelas grandes cidades: "Ontem em Copacabana (bairro carioca), em mais um episódio deplorável denominado de “choque de ordem” eu reli Os Sertões." disse, ao se referir à truculência da guarda urbana do município do Rio de Janeiro contra os cidadãos. Em seu discurso ela concluiu: "O livro “Os sertões” foi o primeiro ataque ao escândalo de dois “brasis” desiguais com a repressão do próprio estado brasileiro massacrando e degolando seu próprio povo."

Em seguida o professor Joel Rufino entregou algumas excelentes reflexões sobre a atualidade estética do grande livro de Euclides, mesmo passados mais de cem anos de sua publicação: "A primeira fase de “Os Sertões” é pura poesia, trata-se do Brasil escrevendo sobre si. Euclides põe o Brasil frente ao espelho." E estendeu seus comentários a influência do escritor no cenário das letras nacionais: "Não tenho receio algum em afirmar que Euclides idealizou e preparou a semana de “22”. O professor falou ainda sobre a experiência de ensinar Euclides, e sobre a atualização da metodologia em torno da obra do homenageado como matéria das aulas de literatura: "Faço uma autocrítica sobre minhas aulas de literatura quando jovem, pois retratava Euclides e os Sertões apenas como referência literária, um grande equívoco."

O dramaturgo José Celso Martinez concluiu a ocasião com boas considerações sobre correlação política da temática euclidiana com os dias atuais: “Os Sertões” relata a república do massacre, essa república é negada na obra da mesma maneira que se nega a república atual vista no senado através dos episódios de Sarney que usa da aquisição do bem público contra o próprio público."

O evento terminou por volta das 14h, após a exibição de um DVD com cerca de 10 minutos do espetáculo teatral de José Celso, Os Sertões.

Por Raphael Pereira e Liomar

Debate na Biblioteca Nacional

Euclides da Cunha: da obra prima à morte trágica.

Imagem evento Euclides da Cunha Grande

Cem anos se passaram desde a morte de Euclides da Cunha, mas o tempo não foi capaz de apagar as lembranças da vida do autor do clássico Os Sertões. Nas bancas, a 47ª edição da Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN) conta toda a trajetória do escritor que ficou consagrado por dar voz ao grito de revolta do sertão brasileiro, mas enfrentou grandes dificuldades ao longo de sua existência. Sua biografia, em especial o período na Bahia, será o tema do próximo debate da Revista, no dia 25 de agosto às 16 horas no Auditório Machado de Assis da Biblioteca Nacional. A Embratel fará transmissão online no dia do evento.

A antropóloga da Unirio e autora do artigo O enigma da permanência, publicado na edição do mês, Regina Abreu vai relatar detalhadamente a vida do escritor desde o nascimento em 1866 em uma fazenda de café no Vale do Paraíba até a trágica morte em agosto de 1909. Abordará ainda luta em favor da causa republicana, que lhe rendeu o convite para escrever no jornal A Província de São Paulo (futuro O Estado de S. Paulo), responsável por seu envio para acompanhar o conflito de Canudos, embrião de sua futura obra Os Sertões. Professor da Universidade do Estado da Bahia, Já Raimundo Nonato Pereira Moreira, autor do artigo Enquanto espero, escrevo, falará sobre a passagem de Euclides pela Bahia entre os dias 7 de agosto a 16 de outubro de 1897, período em que se consagrou como o primeiro correspondente do jornal paulista e produziu várias reportagens acerca do momento em que os sertões baianos viviam.

Com mediação do pesquisador Marcello Scarrone, o evento contará também com a distribuição de certificados de participação e sorteio de duas assinaturas da Revista com a duração de um ano. Os debates têm atraído estudantes de importantes instituições de ensino público e privado do Estado do Rio de Janeiro, bem como profissionais de áreas afins.

Projeto Biblioteca Fazendo História
Data: 25 de agosto/ terça-feira
Horário: 16 horas
Local: Auditório Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional – Rua México s/nº, Centro, Rio de Janeiro

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Grande critico literário:

É preciso situar Euclides no seu tempo

De Wilson Martins, Jornal do Brasil

RIO - Concordando com o general Mitre, Joaquim Nabuco pensava que, como a literatura hispano-americana, a nossa ainda não havia produzido o seu livro nacional. É possível que, como a francesa, e mais do que a francesa, a brasileira, para lembrar uma distinção conhecida, seja o contrário de uma literatura monântica, isto é, não pode ser representada exclusivamente por um único escritor ou uma obra única; contudo, e por singularidade, um dos nossos livros nacionais mais indiscutíveis estava sendo obscuramente elaborado no instante mesmo em que Nabuco falava, e seria gerado pelo trauma profundo de Canudos, o de Euclides da Cunha (Revista Brasileira, fase VII; abril-maio-junho, 2009, ano XV, nº19).

Não é temerário supor que ele haja encontrado a sua tese em outra Revista Brasileira, a de novembro de 1897, formulada por antecipação no artigo de Nina Rodrigues “A loucura epidêmica de Canudos”, mais tarde incluído no volume As coletividades anormais. O cientista baiano, como se sabe, encarava a “psicose progressiva” de Antônio Conselheiro como um reflexo das condições sociológicas do meio em que se organizou, e os acontecimentos de Canudos como um exemplo típico de epidemia vesânica. O monarquismo de Antônio Conselheiro e seus jagunços era apenas o sentimento político correspondente à idade mental e sociológica das populações sertanejas. A população sertaneja, escreveu, “é e será monarquista por muito tempo, porque no estado inferior da evolução social em que se acha, falece-lhe a precisa capacidade mental para compreender e aceitar a substituição do representante concreto do poder pela abstração que ele encarna – pela lei. Ele carece instintivamente de um rei, de um chefe, de um homem que a dirija, que a conduza, e por muito tempo ainda o presidente da República, os presidentes dos Estados, os chefes políticos locais serão o seu rei, como na sua inferioridade religiosa, o sacerdote e as imagens continuam a ser os seus deuses. Serão monarquistas como são fetichistas, menos por ignorância, do que por um desenvolvimento intelectual, ético e religioso, insuficiente e incompleto”.

Mas, como se diz, é preciso situar Euclides da Cunha no seu tempo: do ponto de vista estilístico e ideológico, há uma linha sensível de unidade entre o ano intelectual de 1888 e o de 1912: as histórias literárias falam-nos de parnasianismo e de naturalismo, de impressionismo, como se fossem princípios antagônicos e irreconciliáveis; ora, é fácil perceber que, do parnasianismo de Olavo Bilac à escrita artista de Raul Pompéia vai apenas um passo, já que ambos se deixaram conduzir pelo princípio implícito da correção linguística e da expressividade; outro passo natural, se não inevitável, conduz da escrita artística ao estilo de caracteres barrocos, isto é, a Rui Barbosa, a Coelho Neto, a Euclides da Cunha. Estes, por sua vez, remetem num movimento de retorno, aos mesmos postulados de correção linguística e de riqueza vocabular que identificavam os primeiros; assim, geralmente ignorado pelos historiadores e críticos quando sucumbem à concepção linear sucessiva dos movimentos literários, há um contínuo jogo de lançadeiras dentro deste bloco estilístico. Quando louvamos a natureza escultórica do estilo de Euclides da Cunha (lugar-comum da literatura crítica), o que fazemos é aproximá-lo de Olavo Bilac, com quem, à primeira vista, nada terá de comum; e quando menosprezamos Rui Barbosa e Coelho Neto, parecemos não perceber a contradição que isso representa com os louvores jamais denegados ao estilo de Euclides da Cunha.

Junte-se a isso, pelo menos no que se refere a Euclides da Cunha, a Raul Pompéia, a Sílvio Romero, a Graça Aranha e a Augusto dos Anjos o cientificismo característico desses finais no século 20. Mesmo a correção linguística, com a sua superabundância barroca, e o nacionalismo, com os seus aspectos mais limitativos ou empobrecedores, eram manifestações indiretas do espírito científico. Tal cientificismo tem despertado, igualmente, algumas críticas fáceis, pois nos recusamos a compreender que, onde vemos, com prazer de alguma forma farisaico, o cientificismo, estava, na verdade, a ciência da época. Como observava Sérgio Milliet, com grande compreensão: “Euclides da Cunha teve a serviço de sua observação aguda quase todos os conhecimentos de sua época. Foi ainda um precursor desses estudos entre nós. ( ...). Suas teses continuam em debate, e esse é o maior elogio que lhe pode ser feito do ponto de vista sociológico, o que já não é pouco, pois o valor de uma obra de ciência se mede mais pela fecundidade de suas sugestões que pelo dogmatismo de suas certezas”.

in: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/08/14/e140821319.asp

Novo romance sobre Os Sertões


Ideias antecipa trecho do lançamento 'O pêndulo de Euclides'

Jornal do Brasil


RIO - Além de Os sertões – que nasceu de um relato jornalístico – a Guerra de Canudos gerou também algumas obras de ficção, entre elas o caudaloso romance Guerra do fim do mundo, considerado pelo autor Mario Vargas Llosa um dos mais bem realizados que já cometeu. Menos conhecida, mas nem por isso indigna de interesse, é a novela A casca da serpente, de José J, Veiga, publicada em 1989 – e que merece reedição por estar há muito tempo desaparecida das livrarias.


Agora é a vez de o escritor baiano Aleilton Fonseca mergulhar no tema, com o romance O pêndulo de Euclides, que a editora Bertrand Brasil manda para as livrarias na próxima semana.
O Ideias apresenta abaixo, com exclusividade, os dois primeiros capítulos da obra. Trata-se do relato de uma viagem de três amigos (um professor baiano, um poeta carioca e um brasilianista francês) à cidade de Canudos atual para uma visita ao campo da guerra onde existiu o Arraial de Belo Monte, fundado e liderado por Antônio Conselheiro. Durante a viagem, eles debatem temas e razões do conflito, e algumas das ideias de Euclides da Cunha. A foto que ilustra o texto, de Evandro Teixeira, mostra a cidade de Rosário, cenário das batalhas. A igrejinha branca ao fundo foi construída pelo próprio Conselheiro.

Trecho do livro:

A Guerra de Canudos foi o conflito mais trágico e sangrento do Brasil. Era o que mais se repetia nas palestras do seminário, que reunia professores, estudantes e pesquisadores. A universidade parecia estar em festa, com gente se acotovelando nos corredores e auditórios. A última conferência concluía o evento com chave de ouro. Eu, atento, nem sempre estava de acordo com o que ouvia.

O conferencista encerrou suas palavras dizendo em tom de máxima que, mais de 100 anos depois, a guerra era um tema exaurido. Nada de novo havia a dizer ou acrescentar. Tudo estava dito, registrado, lido e analisado.

Ergui o braço para questionar, porém meu gesto não foi atendido. Era a conferência final do seminário e não haveria debates. A plateia já se levantava apressada. Continuei no meu lugar, enquanto as pessoas deixavam o auditório. Lá fora começava o alarido do coquetel de encerramento. Fiquei só e pensativo.

Veio-me à tona uma ideia que desde alguns anos me martelava a cabeça. Há tempos eu planejava ir até a região de Canudos para conhecer o local da guerra. Queria conversar com as pessoas, anotar suas impressões, elaborar um texto. Pretendia recolher resquícios da memória do conflito a partir de depoimentos dos descendentes dos sertanejos.

Meu sonho era escrever um livro. Eu queria fazer um ensaio, uma entrevista, ou mesmo um romance, em que uma voz sertaneja narrasse os eventos da guerra. Seria um narrador canudense que relatasse – de dentro – as quatro batalhas, ou seja, os quatro fogos da guerra, conforme denominava Antônio Conselheiro.

Ao final do evento, saí da universidade pensando seriamente no assunto, a caminho da pousada onde estava hospedado no centro da cidade.

Ao chegar fui direto para o apartamento. Fazia muito calor. Depois de um banho, tomei uma cerveja para refrescar a garganta, saboreando cada gole. Fiquei matutando. Certamente o conferencista quis dizer que a história de Canudos está devidamente assentada nos livros, nos ensaios, nos romances, na poesia, no cordel, nas fotos e nos jornais da época. Um acervo que dá conta dos fatos e de suas consequências históricas e sociais.

Mas tudo isso esgota mesmo a história da guerra? Nada mais há além do silêncio? Nada mais ecoa nos campos calcinados da memória que subjazem nas águas? Só nos resta interpretar as marcas do passado? De certa forma, sim. De alguma maneira, não.

É certo que textos, objetos e documentos falam por si. E as vozes do sertão? O que elas têm a dizer? Lembrei de uma célebre frase do escritor francês André Gide, que nos ensina: “Tudo já está dito; mas, como ninguém escuta, é preciso sempre recomeçar”.

O conferencista fora enfático ao afirmar: “Canudos é um tema exaurido”. Discordei na hora. Não, não é, pensei comigo mesmo. E de novo me animei.

Tudo isso açulou o meu antigo desejo de percorrer o sertão de Antônio Conselheiro. Eu podia visitar o local da guerra e depois escrever o livro. Peguei o mapa da região, anotei as informações gerais na agenda e preparei a mala de viagem. Eu precisava conhecer Canudos.

DESCOBERTA – 2º CAPÍTULO

As imagens de Canudos e de Antônio Conselheiro entraram cedo em minha vida. E não foi através da escola. Nas aulas de história, só os velhos temas. Ensinavam-me a repetir datas e fatos e a admirar as personagens oficiais. Pior: aos oito anos de idade fui obrigado a me perfilar junto com os colegas no pátio da escola, no longínquo dia 31 de março de 1968, para cantar o Hino Nacional em louvor à ditadura militar de então. Obrigada a cumprir ordens, a escola traía com isso a inocência de minha idade.

Nunca me contaram nada sobre Canudos.

Mas eu descobri.

Aos 12 anos ganhei de presente de meus pais uma coleção de dicionários da antiga Editora Globo, em seis volumes de capa grossa e cor azul. Cada um era dedicado a uma área do saber. Passei a ler a esmo os verbetes do Dicionário de História do Brasil, fixando-me naqueles que me pareciam mais interessantes.

Canudos. Esse verbete despertou minha atenção.

Eu ia lendo, e os fatos narrados me fascinavam e excitavam a minha imaginação. Ali eu aprendia a história de Antônio Conselheiro e do Arraial do Belo Monte.

Ademais, a minha avó Laudilina nasceu em Bom Conselho, nas redondezas de Canudos, há cerca de 90 anos. Certamente ela descende de alguma família sertaneja que sobrou viva nos arredores da cidadela arruinada. Eu imaginava um dia investigar o fato, quem sabe desencavar um parente perdido. Como afluente de um Vaza-Barris vermelho, decerto em meu corpo também corre algum sangue conselheirista.

Certa vez perguntei à minha avó o que ela sabia sobre a guerra dos sertanejos. E ela, com paciência e boa vontade, puxou pela memória e tentou me explicar:

– Ah, meu neto... De pequena, eu me lembro que falavam sobre o Conselheiro. Diziam que era um homem santo que havia lutado muito pelo povo do sertão. Mas contavam isso à boca pequena, com medo da polícia. Quem falasse a favor do beato podia até ser preso. As pessoas tinham muita cautela de tocar no assunto. Escondiam e até negavam o parentesco com os infelizes fiéis de Canudos.

– E por que elas faziam isso, vó?

– Ora, porque tinham medo da polícia! Muitas diziam que os soldados iam retornar um dia pra atirar em todos, tocar fogo nas casas e degolar o povo que havia restado no sertão. Com isso, muita gente se amofinava, ficava tudo quieta, acuada, nas brenhas dos lugares ermos. É só dessa cisma que eu me lembro um pouco.

E resumiu, baixando a voz, num tom de compaixão:

– Aquela guerra foi uma grande injustiça.

Depois de ouvir as palavras da avó Laudilina, eu corria de volta ao dicionário. E ficava surpreso e impressionado com os personagens que realmente viveram, lutaram e morreram nos tempos passados.

Ali se narravam fatos que me pareciam semelhantes às antigas histórias que eu tanto ouvira contar na infância. No entanto, eu sabia a diferença: aquele livro trazia eventos reais, vividos e registrados.

Canudos entrava, assim, em meu universo de saberes; e já fazia parte de minha vida.


in: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/08/14/e140821317.asp

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Caderno do Jornal do Brasil especial 1

Edição da obra completa de Euclides da Cunha homenageia centenário

Alvaro Costa e Silva, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Os euclidianos agradecem. A sair pela Nova Aguilar, a nova edição da Obra completa, preparada para o centenário da morte de Euclides da Cunha, traz modificações e acréscimos fundamentais. A principal delas é a inclusão do livro Caderneta de campo, que não constava em nenhuma das edições anteriores. Além disso, oferece um número representativo de dispersos, com destaque para 15 poemas inéditos e 22 novas cartas. Nesta entrevista, o ensaísta e crítico literário Paulo Roberto Pereira, responsável pela edição da obra, antecipa as mudanças – entre elas, uma nova fortuna crítica – e comenta a importância e a permanência de Euclides.

Que modificações há na nova edição da Obra completa?

A nova edição, preparada para o centenário de morte do escritor fluminense, traz algumas modificações fundamentais. Incluímos o livro Caderneta de campo, que não integrou nenhuma das edições da obra completa de Euclides. Reunimos um representativo número de dispersos, tanto em prosa quanto em verso, que são, em sua maioria, desconhecidos mesmo de alguns euclidianistas. Um bom exemplo é a poesia de Euclides. A edição de 1966 continha 37 poemas e a do centenário conterá 52, com o acréscimo de 15 novos poemas inéditos em livro. Outro caso de acréscimo de inéditos é o seu epistolário, que, na edição de 1966, reunia 191 cartas. Na publicada por Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti, em 1997, 397 cartas. Agora, ampliamos o epistolário com 22 novas cartas, inéditas em livro, totalizando sua correspondência em 419 cartas. Acrescentamos, também, seis crônicas políticas, inéditas em livro, escritas por Euclides entre 1889 e 1893, em que debate as consequências da abolição da escravatura e a implantação da República no Brasil. Gostaria também de destacar a preocupação com a qualidade editorial, dentro do princípio de aproximar os textos da última vontade do autor. Assim, fizemos o confronto de todos os textos com as melhores edições existentes, tornando a edição do centenário uma obra que o leitor terá a garantia de estar diante da melhor publicação possível para se homenagear o grande estilista da língua portuguesa que foi Euclides da Cunha.

Por que a decisão de fazer uma nova fortuna crítica?

Respeito muito os autores que constavam da edição de 1966. Aliás, não se pode estudar Euclides sem ler, entre outros, Gilberto Freyre, Nelson Werneck Sodré, Olímpio de Souza Andrade, Afrânio Coutinho. Isso comprova que algumas gerações antes da nossa souberam preservar o legado euclidiano. Contudo, nos últimos 40 anos, surgiram excelentes trabalhos que não poderiam estar ausentes da obra completa. Daí a decisão de retirar da fortuna crítica todos os textos que integravam a antiga, visando oferecer ao leitor de hoje o que de melhor foi produzido, em termos de juízos críticos a respeito de Euclides, nos últimos 40 anos. Nesta nova edição encontram-se Walnice Nogueira Galvão, Adriano Espínola, Alfredo Bosi, Augusto de Campos, Berthold Zilly, Francisco Foot Hardman, José Carlos Barreto de Santana, Leopoldo M. Bernucci, Luiz Costa Lima, Milton Hatoum, que trataram de temas caros a Euclides, como a Amazônia, a República, Canudos e os sertões. Homenageia-se também, com a inclusão de seus textos, os euclidianistas José Calasans, Nereu Corrêa e Roberto Ventura, que já não se encontram entre nós.

Há quanto tempo o senhor está mergulhado no trabalho da edição?

Leio e estudo Euclides da Cunha há muitos anos, pois fui a vida toda professor de literatura brasileira. Por sinal, tenho uma boa euclidiana com algumas edições raras e as principais obras sobre Euclides. Em 1995, estive mergulhado no acervo euclidiano, pois fui o responsável pela atualização bibliográfica da reedição da obra completa. A dedicação integral no preparo desta edição está completando um ano, com uma média de 12 horas de trabalho por dia.

Como definir o estilo de Euclides da Cunha, que para muitos leitores é um obstáculo?

Negar que Euclides é um autor difícil, particularmente nas duas primeiras partes de Os sertões, é demonstrar pouco conhecimento do autor. Euclides é contemporâneo de um momento cultural que abrange o realismo/naturalismo/simbolismo com o pré-modernismo, onde cabiam autores tão díspares como ele próprio e Augusto dos Anjos, pela afinidade com uma literatura de viés expressionista com ênfase em ruínas, sangue, morte, e um vocabulário rebuscado, precioso, que o aproxima de Rui Barbosa e Coelho Neto. Mas existe outro Euclides, de algumas passagens memoráveis de Os sertões e de alguns ensaios e crônicas de Contrastes e confrontos e de em À margem da história, que o colocam entre os grandes estilistas da língua portuguesa. Basta ler “O Marechal de Ferro”, extraordinário retrato psicológico do marechal Floriano Peixoto, que se encontra em Contrastes e confrontos, ou a crônica “Judas-Ahsverus”, um dos mais atraentes e terríveis retratos daquele homem que, fugindo da seca, morre sedento de justiça nas águas amazônicas, incluída por Euclides no seu livro póstumo À margem da história.

O que poderia se esperar do livro sobre a Amazônia, que ficou inconcluso?

Primeiro é muito difícil saber se Euclides tinha condições de produzir o seu segundo livro vingador. As condições especiais em que escreveu Os sertões, em São José do Rio Pardo, não existiam mais. Quando volta da Amazônia em janeiro de 1906, Euclides está duplamente doente: além da tuberculose de infância trazia as doenças contraídas na selva, onde até fome passou. Por outro lado a sua família estava destruída, com a mulher já grávida do amante e, para desespero total, continuava sem emprego fixo. Portanto, o que ficou do legado euclidiano sobre a Amazônia, conforme já ressaltou Gilberto Freyre, é o Euclides extremamente lúcido em brilhantes ensaios que antecipa a nossa visão ecológica de defesa do meio ambiente.

O que dizer das variações literárias em torno de Os sertões?

Quanto a escritores estrangeiros que fizeram uma releitura de Os sertões, o pioneiro foi Robert B. Cunninghame Graham, que publicou, em Londres, em 1920, o livro Um místico brasileiro, só traduzido para o português em 2002. Em 1952, o francês Lucien Marchal publicou o ótimo Le Mage du sertão, nunca traduzido entre nós, mas que possui boas traduções em outras línguas. Em 1981, surgiu A guerra do fim do mundo, extraordinário livro de Mario Vargas Llosa. Mas o rastro de Os sertões continuou com seus frutos com o aparecimento, em 1970, do romance Veredicto em Canudos, do húngaro Sándor Márai, que tivemos o privilégio de ler na primorosa tradução de Paulo Schiller, lançada em 2002. As marcas euclidianas, entretanto, estão mais perto de nós do que imaginamos. Em 1957, dizia Jorge Luís Borges, no seu gabinete de trabalho na Biblioteca Nacional, a Alexandre Eulálio: “De la literatura brasileña conozco unicamente a Euclides da Cunha”.

Euclides da Cunha acreditava de fato na idéia do fim do mundo (teoria do esfriamento caótico do planeta)?

Realmente é difícil ter uma resposta concreta. Como se sabe, Euclides foi um intelectual que passou a vida estudando e, consequentemente, mudando de opinião, aperfeiçoando seu conhecimento.

O que acha da recente interpretação segundo a qual Euclides da Cunha, ao dirigir-se à casa de Dilermano de Assis, queria morrer?

É um ponto de vista. É sabido, conforme consta das últimas cartas de Euclides a seu cunhado Otaviano da Costa Vieira, que o escritor estava muito mal, devido ao agravamento da tuberculose. A saída de casa da mulher carregando os filhos deve ter levado Euclides a tomar uma decisão que o seu temperamento explosivo controlara até aquele momento. Foi uma tragédia anunciada.

O que é mais evidente da permanência de Euclides hoje?

A sua ampla visão do país, que estimulou o aparecimento de grandes intérpretes da nossa realidade, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda. A sua atitude de honestidade intelectual foi um farol para se pensar os impasses da nação e se buscar soluções para o desencontro, sobretudo social, ante a realidade dos vencidos que encontramos nas periferias do país. Portanto, não é de se surpreender que Euclides tenha escrito o ensaio político “Um velho problema”, que encontramos no livro Contrastes e confrontos, em que se atribui, a partir dele, sua adesão às ideias socialistas.

Há a possibilidade de surgir, no atual cenário brasileiro, um livro tão vingador como Os sertões?

Nada que é humano é impossível. A nossa realidade não é a ideal, mas a possível dentro do processo histórico. O Brasil de hoje tem grandes escritores. Não duvido que possa surgir um novo livro vingador que faça um afresco das nossas contradições e mazelas políticas no alvorecer do século 21.

in: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/08/14/e140821304.asp

Euclides à mostra

Fonte: Prosa e Verso

Vários dos lançamentos sobre Euclides da Cunha previstos para este ano não chegaram às prateleiras a tempo do centenário de morte do escritor. Felizmente, os organizadores das exposições dedicadas ao autor foram mais diligentes do que os editores. “Euclides da Cunha, uma poética do espaço brasileiro” abriu anteontem na Biblioteca Nacional (acima, foto do acervo da BN que mostra o homenageado em seu escritório), e “Euclides, um brasileiro” será inaugurada na quinta-feira, dia 20 de agosto, na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Ambas, como já dizem os títulos, exploram a ligação do escritor com o Brasil. Marco Lucchesi, curador da exposição da Biblioteca, explica que procurou enfatizar a comunicação da obra de Euclides com a cultura nacional.

— Tentamos desmistificar a ideia do Euclides como uma espécie de pedra belíssima, brilhante, mas que não dialogaria com o que está antes ou depois dela. Nos textos dele, há uma entrada muito importante de uma polifonia brasileira, das vozes dispersas do Brasil. Essa presença da fala popular insere Euclides numa linhagem literária que começa com o Machado de Assis de “Dom Casmurro”, em que Bentinho registra o pregão de um vendedor de cocadas, e continua depois com Guimarães Rosa — diz.

Entre as 130 peças reunidas na exposição — que se divide em três partes, sobre Canudos, os escritos amazônicos e a biografia — estão exemplares da primeira edição de “Os Sertões” com correções no texto feitas a mão pelo autor. Usando $pequena lâmina, Euclides raspou incorreções de todos os 1.200 exemplares da primeira edição, fazendo no total 160 mil emendas.
O poeta Alexei Bueno é o responsável pela exposição que será aberta quinta-feira na ABL. Obcecado desde a juventude pela Guer$de Canudos, ele trouxe para a mostra vários itens de sua coleção pessoal, como armas, balas, farrapos de bandeira e outros objetos. Ele diz, no entanto, que os itens mais importantes em exibição são os manuscritos, cartas e dedicatórias de livros, entre os $há material inédito.

— São documentos da própria ABL, alguma coisa da Biblioteca Nacional, do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, e, sobretudo, de coleções particulares — informa Bueno, avisando que não há muitas revelações biográficas nesses escritos. — O Euclides era um homem muito sisudo, muito sério, que praticamente não tem anedotário. Os comentários feitos nesses textos são referentes quase sempre à vida literária.

A exposição seguirá o percurso biográfico de Euclides, e tem ainda como destaque a famosa caderneta de apontamentos usada por ele em Canudos, cheia de desenhos, mapas e anotações feitas numa letra microscópica.

Euclides da Cunha ganha nova biografia

Professor Leopoldo M. Bernucci

Fonte: Prosa e Verso

Em setembro a Ateliê Editorial publica “Euclides da Cunha: uma odisseia nos trópicos”, nova biografia do autor de “Os Sertões”. Assinada pelo americano Frederic Amory, professor de literatura e apaixonado desde os anos 60 pela vida e obra de Euclides, a biografia procura atar as pontas e preencher algumas lacunas da breve mas produtiva trajetória do escritor, morto aos 43 anos por Dilermando de Assis, em quem atirara ao confirmar o caso deste com sua mulher, Ana. Para Leopoldo M. Bernucci (ao lado, em foto de divulgação), professor da Universidade da Califórnia (Davis), autor de uma elogiada edição anotada de “Os Sertões” (Ateliê Editorial) e supervisor editorial da nova biografia — seu amigo Amory morreu em fevereiro, pouco depois de fazer a primeira revisão do livro —, o grande mérito do americano foi mostrar Euclides numa “dimensão caleidoscópica”, apresentando ao leitor tanto o sujeito irascível quanto o escritor genial, sem desvincular o homem de sua obra.

Frederic Amory descreve Euclides da Cunha como “um homem impelido por todos os demônios do século XIX — trabalho, obrigação moral, religião (agnosticismo), raça (se não racismo), paixão pela natureza intocada...”. Qual a principal contribuição do trabalho de Amory à (re)construção da figura de Euclides?
É justamente essa mirada em conjunto que ele lança sobre a complexidade individual de Euclides. Em vez de vê-lo em cada compartimento de sua vida, Amory prefere mostrar em dimensão caleidoscópica tudo o que ele foi, como resultado daquilo que ele absorveu na vida, de modo um tanto caótico ou desordenado, resultando num compósito dos mais interessantes. Mas não é só isso. “Euclides da Cunha: uma odisséia nos trópicos” é uma bibiografia verdadeiramente intelectual, na qual Amory nos leva à compreensão do tão incompreendido envolvimento de Euclides com o positivismo e, por primeira vez, à releitura de alguns dos seus ensaios mais desafiantes. Finalmente, Amory procura corrigir algumas falsas impressões e alguns dados historicamente incorretos.

O biógrafo lembra que ao abandonar as ideias positivistas da juventude e abraçar, na maturidade, as teses do evolucionismo, Euclides levou “tintas racistas” para suas análises. Como essa questão deve ser contextualizada? Era um reflexo da ciência da época?
Lamentavelmente Euclides, como outros intelectuais da época, foram fortemente influenciados pelas teorias europeias do evolucionismo, que muitas vezes não se encaixaram na realidade brasileira estudada. Digamos que, por um lado, havia uma necessidade de se utilizar um aparato teórico para dar conta da configuração racial no Brasil e que todas essas teorias eram bastante postiças e forçadas quando aplicadas à nossa realidade. O resultado, como não poderia deixar de ser, foi desastroso. Por outro lado, Euclides intuía que na nossa sociedade a contribuição africana era culturalmente muito rica e abominava a escravidão como prática social desumana e cruel. Basta ler um poema que Euclides escreveu em 1884, “Cenas da escravidão”, do caderno “Ondas”, quando ele tinha apenas 18 anos, em que ele expressa a sua repulsa por essa aberração. Sem falar que sua admiração por Teodoro Sampaio, como pessoa e cientista, demonstra o elevado grau de respeito pelos brasileiros descendentes de africanos.

Amory situa “Os sertões” em primeiro lugar como um tratado sobre raças e sub-raças brasileiras e, em segundo, como uma narrativa de guerra. Em que medida a formação, a leitura e a admiração pela cultura europeia influenciaram a visão de Brasil moldada por Euclides? Quais os benefícios e quais os vícios dessa análise, se existiram?
O principal benefício dessa discussão foi ter Euclides aberto o campo de debate para a compreensão do problema racial no Brasil. Antes dele, o assunto era relativamente tabu e não continha como ele o apresentou uma formulação sistematizada do ponto de vista teórico. A sua visão do Brasil, repito, teria que passar necessariamente pelo crivo das teorias de Ludwig Gumplowicz que Euclides interpretou, como ele o fez com outros teóricos, à sua maneira e não necessariamente como essas teorias foram formuladas pelo autor de “A luta de raças”. Para a compreensão dos fenômenos psicológicos e também biológicos ligados a Antônio Conselheiro e a sua atuação como líder de massas, Euclides haveria de lançar mão também de um conjunto de ideias provindas de César Lombroso, Henry Maudsley e Krafft-Ebing. Era uma medida prática que, ao longo da sua formação intelectual era acatada sem um questionamento mais profundo dos seus pressupostos básicos ou de sua validez. Mas Euclides não foi o único nem no Brasil, nem mesmo na América Latina. Domingo Faustino Sarmiento já havia incorrido em semelhante gesto na Argentina, meio século antes dele, quando escreveu sua obra “Facundo — Civilização e barbárie”.

O Euclides estilista da língua, dono de uma linguagem rebuscada, pouco à vontade com “frases-monstro”, como lembra Amory, atrapalhou de alguma forma, num primeiro momento, o Euclides historiador e jornalista em “Os sertões”? Em sua opinião, qual o grande legado desta obra?
Na verdade quando o biógrafo fala dessas frases-montro, ele se refere somente à sintaxe que Euclides empregou na escritura de um só livro, “Peru versus Bolívia”. Os ensaios ali contidos destoam, significativamente, em tom, estilo e tema dos demais textos euclidianos, e isto porque houve uma necessidade mais técnica e protocolar de escrever dessa maneira. Num primeiro momento, a crítica que se preocupou também da sua linguagem encontrou-a impraticável e hermética. Outros, viram-na como demonstração de virtuosismo estilístico e a aplaudiram. Os modernistas tiveram quase nenhuma disposição para aceitar esse tipo de linguagem e, finalmente, passados quase cem anos, um reexame desse modo de escrever devolveu essa mesma linguagem para o lugar merecido, o dos discursos imperecíveis. O maior legado de “Os Sertões” é a sua grande capacidade de nos fazer pensar o Brasil como nação heterogênea e de áreas culturais e geográficas ainda problemáticas. Na sua heterogeneidade e dimensão continental, o Brasil parece descuidar ou esquecer de certas regiões ou áreas culturais, dando prioridade a algumas e negligenciando outras. Observe, por exemplo, o descuido que ainda experimentamos na area social e educativa dos estados mais pobres, quando estamos vivendo momentos de grandes avanços econômicos e nos vangloriando de um sistema bancário de primeiro mundo. A pergunta fundamental que Euclides faz em “Os Sertões” e que adquire enorme validade até hoje é a seguinte: de que nos serve todo o progresso alcançado até seus (nossos) dias, relativamente visível na faixa litorânea do país, se o interior, e também alguns setores desse litoral, continuam vivendo na Idade da Pedra?

O impacto de “Os sertões” nos meios literário e acadêmico eclipsou o que Euclides fez antes e depois. Existe uma produção mais “injustiçada”, sobre a qual deveria se falar mais? Ou acredita que o fundamental foi dito?
Penso que sua poesia ficou injustamente relegada durante muitos anos. Ele, que escreveu poemas desde a idade dos 17 anos, sem nunca ter deixado de cultivar esse gênero, foi também muito cauteloso com a divulgação de sua coletânea poética. Muitos de seus poemas nunca foram publicados e não porque a qualidade deixasse muito a desejar. Dos 133 poemas que conhecemos dele até hoje, um grande número ficou desconhecido de seus leitores. Esta lacuna acaba de ser preenchida por nós, eu e um colega, o professor Francisco Foot Hardman da Unicamp, que acabamos de preparar um volume, que está no prelo, de suas poesias intitulado “Euclides da Cunha: Poesia reunida” (Editora da Unesp). Tenho certeza que os leitores da poesia euclidiana se surpreenderão com a diversidade, desenvolutra e qualidade poética dessas peças, muitas delas excelentes e que nos ajudam a entender a trajetória intelectual do escritor.

A tragédia familiar provocou muitas lacunas na biografia de Euclides. Por conta do apagamento proposital da figura de Ana de Assis de biografias escritas nos primeiros anos depois da morte do autor, pouco se sabe sobre sua relação afetiva com a mulher, com os filhos, ou sobre o casamento. O que ainda não está totalmente claro para a compreensão do homem como um todo?
Os dados sobre a sua vida familiar são ainda muito incompletos, e quando não o são tendem a ser imprecisos e a estarem marcados por uma forte dose de subjetividade. “Euclides da Cunha: uma odisséia nos trópicos” procura serenizar os ânimos que sempre aparecem exaltados na maioria das biografias do autor ou de sua esposa. Como qualquer casal com filhos e em crise, a vida conjugal de Euclides com Ana de Assis deve ser vista com muita piedade para os dois. A mentalidade machista dos anos que sucederam a morte do escritor, fez dele um mártir e um herói e dela uma megera. Ora, este tipo de interpretação hoje em dia é insustentável e Amory, a meu ver, tenta corrigir essa distorção, mostrando o drama vivido pelos dois indivíduos e também pelos dois filhos mais velhos.

A biografia de Amory lembra todo o tempo o caráter firme, a honestidade e a retidão de Euclides. Porém não esconde o Euclides irascível, que puxou o revólver algumas vezes para tentar resolver problemas como o barulho incômodo de um bar. Essa personalidade cindida ainda merece novos estudos? É relevante para a compreensão de sua obra?
Sim, esse caráter dúbio de Euclides é um dos pontos mais fascinantes da biografia. Aliás no número deste mês da “Revista de História da Biblioteca Nacional” eu publiquei um breve artigo sobre esta questão. Paradoxalmente, na sua tão curta vida de homem voltado para as ciências houve fortes momentos de irracionalismo, que o fizeram emparelhar-se ao grupo dos gênios invariavelmente vulneráveis, homens que com muito esforço edificaram grandes obras, mas que no fim não conseguiram manter a estrutura de seu lar e evitar os golpes de uma tragédia. Euclides, neste particular, foi a regra e não a exceção. Aliás, ele viveu como um bom escritor romântico toda a sua vida, a despeito da orientação científica dada à ela: viveu intensa e apaixonadamente, sempre no limite, morrendo tragicamente muito jovem.

O senhor comenta que o fato de Amory ser estrangeiro pode ter ajudado a construir um retrato equilibrado e profundo de Euclides. Acredita que o modo como o escritor morreu ainda causa desconforto em historiadores e biógrafos hoje, principalmente com herdeiros de Euclides e Dilermando ainda vivos?
Acho que os primeiros biógrafos de Euclides, como Eloy Pontes, Francisco Venâncio Filho, Sylvio Rabello, Olímpio de Souza Andrade, mantiveram uma relação quase emocional com o autor, algo que eu julgo até natural, dado o fato de que alguns deles foram contemporâneos de Euclides e sentiram no fundo d’alma a tragédia de sua morte. Outros, mais modernos, como Roberto Ventura, Luiz Costa Lima, José Carlos Barreto de Santana e Walnice Nogueira Galvão, ofereceram esboços biográficos do autor que, por adotarem uma perpectiva mais distanciada, temporal e emocionalmente falando, emparelham-se às observações de Amory na sua biografia. Portanto, não se trata propriamente de julgar se a melhor biografia pode ser escrita por um brasileiro ou um estrangeiro, mas sim, do fato de que uma biografia de Euclides, quando realizada por um bom escritor estrangeiro, terá melhores chances de oferecer uma visão desapaixonada de sua vida.

Qual foi o seu papel na organização da biografia? Há quanto tempo acompanha o trabalho de Amory sobre Euclides?
O meu papel nesta biografia foi de mero consultor. Acompanhei o trabalho parcimonioso de Amory durante os últimos dez anos e compartilhei com ele outros momentos ligados à obra de Euclides e não necessariamente à sua biografia. Frederic Amory faleceu em fevereiro passado, momentos depois de haver completado a primeira revisão da tradução de sua biografia, do inglês para o português. A minha função a partir desse momento foi prestar um serviço à memória de um amigo querido e acompanhar o trabalho de revisão da tradução e montagem do texto, com o tradutor e a viúva de Amory, a Profa. Elaine Tennant da Universidade da Califórnia em Berkeley. Finalmente, segui a trilha de estudos percorrida pelo biógrafo desde o início da década de 1980, quando ele fazia parte de um grupo de distintos euclidianistas, Rosaura e Augusta Escobar, Oswaldo Galotti, Moisés Gicovate, que frequentavam assiduamente a Semana Euclidiana em S. José do Rio Pardo.