Edição da obra completa de Euclides da Cunha homenageia centenário
Alvaro Costa e Silva, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Os euclidianos agradecem. A sair pela Nova Aguilar, a nova edição da Obra completa, preparada para o centenário da morte de Euclides da Cunha, traz modificações e acréscimos fundamentais. A principal delas é a inclusão do livro Caderneta de campo, que não constava em nenhuma das edições anteriores. Além disso, oferece um número representativo de dispersos, com destaque para 15 poemas inéditos e 22 novas cartas. Nesta entrevista, o ensaísta e crítico literário Paulo Roberto Pereira, responsável pela edição da obra, antecipa as mudanças – entre elas, uma nova fortuna crítica – e comenta a importância e a permanência de Euclides.
Que modificações há na nova edição da Obra completa?
A nova edição, preparada para o centenário de morte do escritor fluminense, traz algumas modificações fundamentais. Incluímos o livro Caderneta de campo, que não integrou nenhuma das edições da obra completa de Euclides. Reunimos um representativo número de dispersos, tanto em prosa quanto em verso, que são, em sua maioria, desconhecidos mesmo de alguns euclidianistas. Um bom exemplo é a poesia de Euclides. A edição de 1966 continha 37 poemas e a do centenário conterá 52, com o acréscimo de 15 novos poemas inéditos em livro. Outro caso de acréscimo de inéditos é o seu epistolário, que, na edição de 1966, reunia 191 cartas. Na publicada por Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti, em 1997, 397 cartas. Agora, ampliamos o epistolário com 22 novas cartas, inéditas em livro, totalizando sua correspondência em 419 cartas. Acrescentamos, também, seis crônicas políticas, inéditas em livro, escritas por Euclides entre 1889 e 1893, em que debate as consequências da abolição da escravatura e a implantação da República no Brasil. Gostaria também de destacar a preocupação com a qualidade editorial, dentro do princípio de aproximar os textos da última vontade do autor. Assim, fizemos o confronto de todos os textos com as melhores edições existentes, tornando a edição do centenário uma obra que o leitor terá a garantia de estar diante da melhor publicação possível para se homenagear o grande estilista da língua portuguesa que foi Euclides da Cunha.
Por que a decisão de fazer uma nova fortuna crítica?
Respeito muito os autores que constavam da edição de 1966. Aliás, não se pode estudar Euclides sem ler, entre outros, Gilberto Freyre, Nelson Werneck Sodré, Olímpio de Souza Andrade, Afrânio Coutinho. Isso comprova que algumas gerações antes da nossa souberam preservar o legado euclidiano. Contudo, nos últimos 40 anos, surgiram excelentes trabalhos que não poderiam estar ausentes da obra completa. Daí a decisão de retirar da fortuna crítica todos os textos que integravam a antiga, visando oferecer ao leitor de hoje o que de melhor foi produzido, em termos de juízos críticos a respeito de Euclides, nos últimos 40 anos. Nesta nova edição encontram-se Walnice Nogueira Galvão, Adriano Espínola, Alfredo Bosi, Augusto de Campos, Berthold Zilly, Francisco Foot Hardman, José Carlos Barreto de Santana, Leopoldo M. Bernucci, Luiz Costa Lima, Milton Hatoum, que trataram de temas caros a Euclides, como a Amazônia, a República, Canudos e os sertões. Homenageia-se também, com a inclusão de seus textos, os euclidianistas José Calasans, Nereu Corrêa e Roberto Ventura, que já não se encontram entre nós.
Há quanto tempo o senhor está mergulhado no trabalho da edição?
Leio e estudo Euclides da Cunha há muitos anos, pois fui a vida toda professor de literatura brasileira. Por sinal, tenho uma boa euclidiana com algumas edições raras e as principais obras sobre Euclides. Em 1995, estive mergulhado no acervo euclidiano, pois fui o responsável pela atualização bibliográfica da reedição da obra completa. A dedicação integral no preparo desta edição está completando um ano, com uma média de 12 horas de trabalho por dia.
Como definir o estilo de Euclides da Cunha, que para muitos leitores é um obstáculo?
Negar que Euclides é um autor difícil, particularmente nas duas primeiras partes de Os sertões, é demonstrar pouco conhecimento do autor. Euclides é contemporâneo de um momento cultural que abrange o realismo/naturalismo/
O que poderia se esperar do livro sobre a Amazônia, que ficou inconcluso?
Primeiro é muito difícil saber se Euclides tinha condições de produzir o seu segundo livro vingador. As condições especiais em que escreveu Os sertões, em São José do Rio Pardo, não existiam mais. Quando volta da Amazônia em janeiro de 1906, Euclides está duplamente doente: além da tuberculose de infância trazia as doenças contraídas na selva, onde até fome passou. Por outro lado a sua família estava destruída, com a mulher já grávida do amante e, para desespero total, continuava sem emprego fixo. Portanto, o que ficou do legado euclidiano sobre a Amazônia, conforme já ressaltou Gilberto Freyre, é o Euclides extremamente lúcido em brilhantes ensaios que antecipa a nossa visão ecológica de defesa do meio ambiente.
O que dizer das variações literárias em torno de Os sertões?
Quanto a escritores estrangeiros que fizeram uma releitura de Os sertões, o pioneiro foi Robert B. Cunninghame Graham, que publicou, em Londres, em 1920, o livro Um místico brasileiro, só traduzido para o português em 2002. Em 1952, o francês Lucien Marchal publicou o ótimo Le Mage du sertão, nunca traduzido entre nós, mas que possui boas traduções em outras línguas. Em 1981, surgiu A guerra do fim do mundo, extraordinário livro de Mario Vargas Llosa. Mas o rastro de Os sertões continuou com seus frutos com o aparecimento, em 1970, do romance Veredicto em Canudos, do húngaro Sándor Márai, que tivemos o privilégio de ler na primorosa tradução de Paulo Schiller, lançada em 2002. As marcas euclidianas, entretanto, estão mais perto de nós do que imaginamos. Em 1957, dizia Jorge Luís Borges, no seu gabinete de trabalho na Biblioteca Nacional, a Alexandre Eulálio: “De la literatura brasileña conozco unicamente a Euclides da Cunha”.
Euclides da Cunha acreditava de fato na idéia do fim do mundo (teoria do esfriamento caótico do planeta)?
Realmente é difícil ter uma resposta concreta. Como se sabe, Euclides foi um intelectual que passou a vida estudando e, consequentemente, mudando de opinião, aperfeiçoando seu conhecimento.
O que acha da recente interpretação segundo a qual Euclides da Cunha, ao dirigir-se à casa de Dilermano de Assis, queria morrer?
É um ponto de vista. É sabido, conforme consta das últimas cartas de Euclides a seu cunhado Otaviano da Costa Vieira, que o escritor estava muito mal, devido ao agravamento da tuberculose. A saída de casa da mulher carregando os filhos deve ter levado Euclides a tomar uma decisão que o seu temperamento explosivo controlara até aquele momento. Foi uma tragédia anunciada.
O que é mais evidente da permanência de Euclides hoje?
A sua ampla visão do país, que estimulou o aparecimento de grandes intérpretes da nossa realidade, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda. A sua atitude de honestidade intelectual foi um farol para se pensar os impasses da nação e se buscar soluções para o desencontro, sobretudo social, ante a realidade dos vencidos que encontramos nas periferias do país. Portanto, não é de se surpreender que Euclides tenha escrito o ensaio político “Um velho problema”, que encontramos no livro Contrastes e confrontos, em que se atribui, a partir dele, sua adesão às ideias socialistas.
Há a possibilidade de surgir, no atual cenário brasileiro, um livro tão vingador como Os sertões?
Nada que é humano é impossível. A nossa realidade não é a ideal, mas a possível dentro do processo histórico. O Brasil de hoje tem grandes escritores. Não duvido que possa surgir um novo livro vingador que faça um afresco das nossas contradições e mazelas políticas no alvorecer do século 21.
in: http://jbonline.terra.com.br/
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