terça-feira, 11 de agosto de 2009

Texto no Diário do Nordeste

O jornal cearense Diário do Nordeste, de Fortaleza, pertencente à Editora Verdes Mares, publicou em seu caderno especial sobre cultura, intitulado Caderno 3, no dia 09 de agosto, uma reportagem interessante sobre Euclides da Cunha, assinada pela professora-doutora em literatura Angela Gutiérrez, da UFC, que é autora de O Mundo de Flora, uma fábula pós moderna escrita em 1987, e do interessante Luzes de Paris e o Fogo de Canudos, livro que conta a história de duas irmãs de leite, Branca e Morena, que se separam por pertencerem a classes sociais diferentas. Como se percebe por seus nomes, a primeira vai para Paris estudar e a outra acaba, por infortúnio, no arraial de Canudos. O texto da Professora segue abaixo:

Enigma Euclides

Desde aquele agosto, passaram-se 100 anos. No entanto, Euclides permanece eterno, mais pela fertilidade da obra que o consagrou do que por qualquer aspecto biográfico de sua breve vida de 43 anos. Neste artigo, a trajetória de um dos maiores escritores do País e suas impressões sobre Canudos

Era 15 de agosto de 1909, manhã chuvosa de domingo, na Estação da Piedade, Estrada Real de Santa Cruz, no Estado do Rio de Janeiro. Um homem atormentado e só enfrenta a morte e conhece, enfim, a indesejada das gentes. Um drama passional rouba ao país o laureado escritor que, sete anos antes, em 1902, publicara Os sertões.

Se, naquele momento, o Brasil perdia um de seus mais renomados intelectuais que prometera dar continuidade à sua obra de gênio com a escrita de Paraíso perdido, sobre a região amazônica, herdava, porém, deste homem, uma das obras mais significativas do acervo nacional com o livro que se quis, inicialmente, uma narrativa sobre a guerra de Canudos e realizou-se como uma reflexão sobre o Brasil.

Testemunha
Ao elaborar, através de um livro-bíblia - e Canudos se fez verbo - , um compêndio do conhecimento da época, uma explicação para Canudos, Euclides, que fora, ainda que nos últimos dias do conflito, testemunha ocular do episódio, tenta conciliar o impossível: seu modelo científico, pautado em teorias deterministas, e sua pasmada observação da realidade discordante.

Ao mesmo tempo, porém, constrói uma obra tão sedutora em suas contradições, que perpetua o episódio na memória e no imaginário do povo brasileiro.

Até muito tempo depois da publicação do livro maior de Euclides, "Os sertões" e a história de Canudos tornam-se sinônimos. Várias décadas após o lançamento de "Os sertões", com a publicação dos estudos pioneiros de vários pesquisadores, como os cearenses Abelardo Montenegro e Nertan Macedo, e, na Bahia, Odorico Tavares e, especialmente, Dr. Calasans e com a divulgação, por Ataliba Nogueira, das prédicas de Antônio Conselheiro, em 1974, pôde-se enxergar o outro lado, multifacetado, da história.

Que sensação, porém, o leitor do século XXI experimenta diante da obra majestosa de Euclides, publicada no início do século XX mas gerada no final do século XIX e debruçada sobre acontecimentos ainda palpitantes à época de sua publicação mas, hoje, aparentemente desencarnados de sua dramaticidade histórica?

Talvez a de quem se depara com um grandioso monumento da antiguidade, como a pirâmide, e se sinta fascinado mas desencorajado a empreender a subida a seu topo. Se, porém, subir a labiríntica pirâmide euclidiana, tenho certeza, sentirá a vertigem de quem contempla, deslumbrado, a História e a Literatura de seu país e a história e a escrita literária de um homem de gênio. Nascido em 20 de janeiro de 1866, logo órfão de mãe, criado por tias, de temperamento arredio quase tímido mas, ao mesmo tempo, capaz de gestos e rompantes desafiadores e de atitudes corajosas - penso no famoso episódio de 1888 em que , como cadete de idéias republicanas, lança seu espadim aos pés do ministro do Império, em cerimônia na Escola Militar -, Euclides segue para a Bahia com a quarta e última expedição ao arraial de Antônio Conselheiro... e muda o rumo da sua vida e da cultura do Brasil.

O convite
Depois da publicação de dois artigos sobre a campanha de Canudos, n` O Estado de São Paulo, sob o título de "A nossa Vendéia", em 14 de março e 17 de julho de 1897, Euclides atende a convite da direção deste jornal para acompanhar, na novíssima condição de correspondente de guerra, a expedição comandada pelo General Artur Oscar.

Partindo no navio Espírito Santo, que transportava militares da 4ª expedição militar da Campanha de Canudos, o então jornalista e adido ao Estado Maior do ministro da Guerra Carlos Machado de Bittencourt chega a Salvador em 7 de agosto do mesmo ano.

À época, o futuro autor de Os sertões demonstrava a convicção, então muito difundida pela imprensa, de que a rebelião no sertão visava à restauração da monarquia (daí a comparação com o movimento de camponeses franceses da Vendée) e que, portanto, a jovem república brasileira corria perigo.

Em sua curta permanência no chamado teatro de guerra, em contacto com soldados feridos, jagunços presos, gente da terra, militares, médicos e acadêmicos de medicina em ação e, também, através de pesquisa em arquivos e livros na capital da Bahia, Euclides vem a entender que a questão era muito mais complexa e, a partir do final da guerra, dedica-se a desvendá-la.

Suas primeiras impressões dos acontecimentos de Canudos são registradas não só nas reportagens que envia ao Estado de São Paulo, como na sua Caderneta de campo e em seu Diário de uma Expedição, os dois últimos publicados após a morte do escritor e são valiosas para análise do texto final de Os sertões.

Por ANGELA GUTIÉRREZ
Em especial para o Caderno 3, do jornal Diário do Nordeste.

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