segunda-feira, 27 de abril de 2009

Conferência, Parte 2

Nem todos os homens só são grandes depois de sua morte

Nessa segunda parte, em continuidade à cronologia, Edmo Lutterbach tece comentários importantes sobre nosso autor.
            
Neste ano 2009 é celebrado o centenário de morte de Euclydes; e o filho daquela herdade ainda é citado no meio cultural brasileiro e de outros pólos. Sua reputação, como escritor, atravessou fronteiras e conquistou o respeito de intelectuais de vários Continentes. Seu nome imortalizou-se. Pouquíssimas vidas têm ensejado tantos estudos quanto à sua, num período de mais de cem anos. Mais de cem, dizemos, porque foi em 1897 que Euclydes apareceu no cenário das letras, publicando artigos no jornal O Estado de São Paulo, (o primeiro, em 14 de março e o segundo, em 17 de julho), sob o título “A Nossa Vendéia”.

Mudou de residências, percorreu municípios, atravessou divisas municipais e estaduais, sem pouso demorado, enfrentando dificuldades sérias. Venceu-as; e por sua luta, coragem e capacidade, tornou-se escritor de renome. Se teve infância, juventude e mesmo mocidade infeliz, um futuro triunfante o aguardava. Conhecido se tornara aos 22 anos, no surpreendente episódio do desfile da Escola Militar da Praia Vermelha; exsurgiu aos 31, como repórter de Canudos; notabilizou-se aos 36, recebendo aplausos da elite intelectiva do país, com a publicação de Os  Sertôes  – livro que o elegeu para a jovem Academia Brasileira de Letras, com apenas cinco anos de funcionamento, instalada em 20 de julho de 1897; e para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituição já sexagenária à época, pois criada em 1838.

Antes dos 39 anos projetara-se como Chefe de uma importante e delicadíssima missão: a do Alto Purus. Ascendeu mais: em 1907, quando circularam seus livros CONTRASTES E CONFRONTOS  e  PERU VERSUS  BOLÍVIA e  nos exames do  Ginásio Nacional, em 1909. A nossa fascinação por Euclydes da Cunha nos levou à leitura do que ele produziu e de tudo a seu respeito publicado, foi dito. Não está vinculado aos laços que poderíamos chamar de conterraneidade; nossas atenções voltam-se constantemente para Euclydes e para a herdade onde ele abriu os olhos, local em passamos a nossa infância e parte da adolescência – a Fazenda da Saudade –, “recanto de nome poético, impregnado de sentimento bem brasileiro”, na lúcida definição de Moisés Gicovate.

Aquele local foi o nosso mais encantador Olimpo e com ela sempre sonhamos. Lá conhecemos o Euclydes poeta, através de Ondas, poesias escritas por volta de 1883, quando o registro de nascimento do aedo acusava dezessete anos. 

Naquele retiro modesto, percorremos as 260 páginas de CONTRASTES E CONFRONTOS, (a íntegra desses textos pode ser encontrada no sítio domínio públicodesde  “Heróis e bandidos”, até  à “civilização”, ultimando a leitura, tão maravilhados quanto Pereira Sampaio, notamos que “sua prosa tem ar duma conversação erudita, mas familiar, ponderada e concomitantemente espontânea; daí o agrado da leitura que, a espaços, chega ao encanto.”

Chegamos a CANUDOS – Diário de uma Expedição e com semelhante interesse tivemos sob os olhos os artigos escritos no período – 7 de agosto a 1° de outubro de 1897. Não foi menor a emoção.

Abrimos, em seguida, À MARGEM DA HISTÓRIA [ - - Famoso e desempregado em 1904, Euclides da Cunha foi nomeado chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. Após percorrer uma parte da Amazônia, pretendia escrever um livro intitulado Um paraíso perdido. Através da análise dos "ensaios amazônicos", dos relatórios técnicos, da correspondência pessoal e das anotações de leituras. A morte, em forma de drama passional, no ano de 1909, chegou antes que fosse concretizada a sua pretensão, e "os ensaios amazônicos são o aspecto menos conhecido de sua obra. Encontram-se dispersos em artigos e entrevistas de jornal, em crônicas e prefácios, em sua correspondência particular e oficial, além dos relatórios técnicos da viagem. Tudo isso forma a compilação À margem da história, na íntegra pelo sítio domínio público - -],  ensaio do qual Euclydes conheceu apenas as provas tipográficas. Recebeu-as ele no dia 24 de julho de 1909, e as devolveu no dia 25, revistas, muito perturbado com a nova grafia; e não a viu publicada, o que ocorreu só após sua morte. É livro esplêndido. Adorna, do incipit ao explicit, isto é, do princípio ao fim.   

Em “Impressões gerais” nos deixa extasiados, tão logo  descobrirmos o asserto do geólogo-geógrafo, quanto à Amazônia, diz ele, “talvez a terra mais nova do mundo, consoante as conhecidas induções de Wallace e Frederico Hart. Nasceu da última convulsão geogênica que sublevou os  Andes, e mal ultimou o seu  processo  evolutivo como as várzeas quaternárias que se estão formando e lhe preponderam na topografia instável”.  

(...)  

Avançamos: ao  entrar  nos “Rios  em  abandono”, ficamos  arrebatado, qual “o aventureiro romântico e o sábio precavido”.  Nosso entendimento, com a belíssima descrição do que fora observado naquele solo imenso, que impressiona e desafia as pesquisas dos geógrafos, dilatara-se como a visão cosmogênica do estilista, pois pareceu-lhe que, na Amazônia, o homem “é ainda um intruso impertinente, chegou sem ser esperado nem querido, quando a natureza estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão.”  

Alcançamos “Um clima caluniado” e, com disposição atrevida, chegamos ao ponto último da obra. Só uma coisa nos faltou: Ânimo para fechá-la. E sob o impacto de tanta beleza, tentamos estabelecer confrontos, abrindo o Inferno Verde, de outro notável engenheiro: Alberto Rangel [Alberto do Rego Rangel nasceu no Recife em 29 de maio de 1871. Faleceu em Nova Friburgo (RJ) em 14 de dezembro de 1945. Obras principais: Fora da forma, opúsculo (Rio de Janeiro, 1900); Inferno verde: cenas e cenários do Amazonas, com prefácio de Euclides da Cunha (Rio de Janeiro, 1908); Sombras n’água (Leipzig, Alemanha, 1913); Quando o Brasil amanhecia (fantasia e passado) (Lisboa, 1919); Livro de figuras (Tours, França, 1921); Lume e cinza (Rio de Janeiro, 1924); Textos e pretextos (Tours, 1925); Papéis pintados (Tours, 1928); Fura-mundo: contos (Tours, 1930), textos do autor no sítio Call.org].  Repassando as vinte e duas páginas iniciais, contendo o prefácio de Euclydes, salienta o primeiro crítico da obra, que  a “Amazônia, ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemo-la aos fragmentos.”. E adita: “Escapa-se-nos de todo a enormidade que só se pode medir, repartida; a amplitude, que se tem de diminuir para avaliar-se; a grandeza que só se deixa ver, apequenando-se, através dos microscópios; e um infinito que se dosa a pouco e pouco, lento e lento, indefinidamente, torturadamente”.  Afirma, sem temor de revide, que “a inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa. Terá de crescer com ela, adaptando-se-lhe para dominá-la. Atesta-o o exemplo de Walter Bates – continua –, que ali assistiu mais de um decênio, “realizando descobertas memoráveis, mas sem sair da estreita listra litorânea desatada entre Belém e Tefé”, surpreendendo os Institutos da Europa, conquistando a admiração de Darwin, sem esgotar o “recanto apertadíssimo em que se acolhera. 

Não vira a Amazônia, viu apenas mais que os seus predecessores”.  Mas é natural, tranqüiliza-se. A terra ainda é misteriosa. O seu espaço é como o espaço de Milton [John Milton (9 de dezembro de 1608 - 8 de novembro de 1674) foi um escritor inglês, um dos principais representantes do classicismo de seu país, e autor do célebre livro O Paraíso Perdido, um dos mais importantes poemas épicos da literatura universal --- Fonte: Wikipédia]: esconde-se em si mesmo. Vai além: Anula-a a própria amplidão, a extinguir-se, decaindo por todos os lados adstrita à fatalidade geométrica da curvatura terrestre, ou iludindo as vistas curiosas com o uniforme traiçoeiro de seus aspectos imutáveis. Para vê-la, adverte o prefaciador, deve renunciar-se ao propósito de descortiná-la. Tem-se que a reduzir, subdividindo-a, estreitando, e especializando, ao mesmo passo, os campos das observações. 

No prólogo anunciado, Euclydes descreve o que leu no trabalho de Rangel e ele próprio viu, naquela “terra misteriosa”, onde o homem “é estrangeiro, embora pisando em terras brasileiras”, passando ao papel, as impressões captadas.  

Um sábio no-la desvendaria – são palavras suas –,”sem que nos sobressalteássemos, conduzindo-nos pelos infinitos degraus, amortecedores, das análises cautelosas. O artista atinge-a de um salto, desvendando-no-la na esplêndida nudez da sua virgindade portentosa.  Não se esqueceu de advertir: é a terra moça, a terra infante, a terra em ser, a terra que ainda está crescendo. Agita-se, vibra, arfa, tumultua, desvaira. Realmente, “a Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis”.

(...)

(segue a parte final, sobre os sertões)  

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