segunda-feira, 27 de abril de 2009

Conferência, parte 3.1

Euclides e os sertões

Fala o conferencista brevemente sobre a obra máxima do cantagalense Euclydes

Muito se tem escrito sobre Euclydes e sua obra, especialmente aquela com que premiou ele a literatura universal: OS SERTÕES, tinta bastante foi derramada em louvor a esse monumento, que completará, no dia 2 de dezembro de 2009, cento e sete anos de leitura.

(...)

Estudamos, lemos e relemos trabalhos de críticos, assistimos conferências, participamos de debates e concluímos não ser fácil ou, com outras palavras, ser difícil, dificílimo, em oportunidades como esta, surpreender os ouvintes com alguma coisa nova em torno do nosso co-estaduano e de OS SERTÕES  já traduzido para o espanhol, o alemão, o italiano, o francês, o sueco, o dinamarquês, o inglês, o chinês, o japonês, o holandês, o russo.

(...)

Finalmente, na silenciosa Fazenda da Saudade realizamos, mesmo sem a compreensão necessária, sem a capacidade suficiente (esta ainda nos falta), a leitura de OS SERTÕES, tido como um dos documentos intelectuais mais altos da América; o de maior fundo humano e de mais pungente e bela forma literária (...).

A  TERRA, capítulo  inicial, preenche cinqüenta e duas páginas com descrições fantásticas. Investigando-as, constatamos, de imediato, um quadro magnífico, impressionante, contendo episódios alegres e tristes e concluímos que a delicadeza do pincel de Pedro Américo não nos ofereceria melhor, ou semelhante como aquele atentamente contemplado do alto do Monte Santo, por Euclydes, registrado a páginas vinte e quatro: “Nada mais dos belos efeitos das desnudações lentas, no remodelar os pendores, no despertar os horizontes e no desatar – amplíssimos – os gerais pelo teso das cordilheiras, dando aos quadros naturais a encantadora grandeza de perspectivas  em que o céu e a terra se fundem em difusão longínqua e surpreendedora de cores...(Laemmert & C. Editores, 2ª. Ed. 1903).

Victor Meirelles [Ligado ao Romantismo brasileiro, ocorrido na segunda metade do século XIX, o pintor Victor Meirelles ganhou notoriedade a partir da década de 1870, ao lado de Pedro Américo e Almeida Júnior, fonte: wikipédia] também não pincelaria um panorama com tanta venustidade, ainda que volvendo, qual Euclydes, o olhar “para os céus, sem nuvem! O firmamento límpido arqueia-se alumiado ainda por um sol obscurecido de eclipse”. 

Possivelmente conhecia esta dissertação belíssima o porta-voz da Academia Brasileira de Letras, Silvio Romero, para afirmar, ao abrir-lhe as portas da imortalidade: “
Estudaste a terra, Sr. Dr. Euclydes da Cunha, estudastes a terra, sua organização, seus aspectos, sua flora, seu clima, seus padecimentos, e tomastes nas mãos a mor porção dos fios invisíveis com que ela prende o homem e o faz à sua imagem e semelhança.”

(...)

Euclydes sempre se mostrou um eterno simpatizante da natureza. Concluiu que aquela noção abstrata da pátria era fascinante, capaz de consolar os que se afastam de seu convívio residencial tranqüilo,  expondo-se às batalhas perigosas.

(...) 

A natureza era-lhe o enlevo do coração, percepcionou Coelho Neto. Quando descreve a seca – constatamos –, é  rigoroso, mas a tragédia apontada desaparece diante dos recursos estilísticos do primoroso artista, com sua facilidade inimitável de arquitetar expressões. A tragédia da seca horroriza; todavia, a impressão que nos fica, mais acentuada, não é a de pavor. É a impressão confortadora de ter encontrado um estilista que narra episódios tristes sem nos deixar acabrunhados, porque consegue temperar a rusticidade de alguns acontecimentos com a chama viva, crepitante, de um estilo em variações esplendentes. 

Vemos a seca, descrita por Euclydes, nitidamente, não em tela, mas no original; não através de lentes, e sim da leitura fascinante, graças à pena delgada, maleável, do artista genial, cuja perfeição chega ser sublime.

E caminhemos para a segunda parte do livro: O HOMEM. Maior número de páginas trata do assunto. Cento e trinta, precisamente. A complexidade do problema etnológico no Brasil; a gêneses dos jagunços; o sertanejo; Antônio Conselheiro, são temas que reclamam leitura sem pressa.

A LUTA – terceira parte, está enfeixada em trezentas e cinqüenta páginas outras, numa linguagem igualmente bela.  Na introdução do livro CANUDOS – diário de uma expedição, 1959), Gilberto Freyre afirmou que Euclydes foi  “um escritor adiantadíssimo para o Brasil de 1900; escritor fortalecido pelo traquejo científico, enriquecido pela cultura sociológica, aguçado pela especialização geográfica.
 
Esse Euclydes que, quase sempre viveu isolado, afastado do conforto, dos amigos, das bibliotecas, sem permanência prolongada nos recantos por onde passou; não esquentava lugar. Teve, porém, recursos armazenados em sua inteligência para produzir tanto.  

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