Em debate na Biblioteca Nacional, pesquisadores discutem a trajetória do autor, comentam sua passagem pela Bahia e as coincidências entre sua vida a de Antônio Conselheiro.
Por Adriano Belisário
Euclides da Cunha demarcou as fronteiras de nosso país. Não só por ter participado da expedição à Amazônia que estabeleceu os limites entre Brasil e o Peru. Além do território, a própria identidade nacional deve bastante à obra do literato, que permanece atual. “São cem anos com Euclides e não sem”, resume a antropóloga Regina de Abreu.
A biografia do autor de ‘Os Sertões’ foi o tema de agosto do projeto Biblioteca Fazendo História. Além de Regina, pesquisadora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), o debate contou com a presença do historiador Raimundo Nonato, que abordou a curta estadia de Euclides em Salvador. O encontro acontece mensalmente na Biblioteca Nacional.
“Viva a República”, gritou Euclides da Cunha quando atirou seu sabre militar aos pés do Ministro da Guerra do Império em 1888. O gesto o fez passar de jovem insubordinado a herói do regime recém-fundado e foi apenas a primeira de muitas reviravoltas na vida do literato. Além da expulsão do Exército, o protesto lhe rendeu o convite para ingressar no jornal ‘A Província de São Paulo’, que o enviou para a cobertura da Guerra de Canudos. Começava a jornada de ‘Os Sertões’, cuja primeira parada se deu em Salvador.
Euclides via o movimento liderado por Antônio Conselheiro como uma tentativa de golpe contra a República, comparando-a com a Rebelião da Vendéia, quando camponeses e monarquistas tentaram pôr fim à Revolução Francesa – episódio relatado por Victor Hugo no romance ‘Noventa e três’. “Já em Salvador, Euclides entrevistou diversos personagens, como integrantes do Exército que voltavam da guerra. Foi lá que ele conheceu Agostinho, um menino cujos relatos colocaram por terra sua visão sobre Canudos”, explicou Nonato, pesquisador da Universidade Federal da Bahia. Ao avançar em sua jornada, Euclides da Cunha percebe que cometera um equívoco, chegando a afirmar que o governo deveria ter enviado professores e não soldados.
Hoje, os biógrafos enxergam até mesmo uma curiosa proximidade entre Euclides e Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos. “São vidas paralelas e invertidas. Os dois foram órfãos desde cedo e tiveram problemas conjugais. A mulher de Conselheiro o troca por um soldado. Dilermando [amante da esposa de Euclides] também era militar. Os dois foram andarilhos e construtores. Euclides era engenheiro e trabalhou na construção da Estrada de Ferro Central do Brasil. Conselheiro construía diversas igrejas e cemitérios em suas romarias. Um a favor e outro contra, tiveram seus destinos marcados pela República. E, por fim, ambos tiveram a cabeça cortada após a morte”, listou Raimundo Nonato.
Por outro lado, o reconhecimento pelo talento de Euclides não é recente. Já em Salvador, o autor era uma espécie de celebridade. Sua breve estadia na cidade rendeu matérias em cinco veículos locais. Também não demorou para os governos assimilarem sua obra aos discursos oficiais. “Principalmente Getúlio Vargas incorporou muito de Euclides da Cunha. Foram feitos filmes e ele foi muito usado nas escolas, através de histórias em quadrinho, por exemplo”, destacou Regina de Abreu. Euclides e o universo de sua obra também serviram de inspiração para movimentos sociais de contestação. “Um dos berços do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra foi em uma cidade chamada Euclides da Cunha, onde ergueram o acampamento Nova Canudos”, afirmou Nonato.
A rigidez de caráter de Euclides facilitou seu ingresso no rol de heróis nacionais. Após a proclamação da república, ele recusou cargos no governo que lhe foram oferecidos por conta de sua atuação contra o Império. “Euclides pediu apenas um estágio na área de Engenharia, na qual era formado. Em cartas, ele se orgulhava da fidelidade aos seus princípios”, disse Regina.
Ao final do debate, o cineasta Noilton Nunes lembrou que Euclides já propunha a integração dos povos latino-americanos. “Estava antevendo o Mercosul”, comentou. O diretor começou a pesquisar sobre o autor de ´Os Sertões´ em 1966, quando seu pai lhe propôs que participasse de um concurso de monografias sobre Euclides da Cunha na ocasião do centenário de nascimento do autor. Hoje, Noilton trabalha na divulgação de seu filme ‘A Paz é Dourada’, que estreou no início do ano na TV Brasil.
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